São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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ENSAIO

SEAN B. CARROLL

O recado da extinção do marsupial

PARQUE NACIONAL KAKADU, Austrália - Este parque nacional é uma vasta área de pântanos, florestas e formações rochosas que abriga um conjunto fantástico de animais selvagens.
Kakadu, um dos sítios do Patrimônio Mundial da Unesco, tem quase 300 espécies de aves, mais de 60 de mamíferos e mais de 120 de répteis, incluindo grandes crocodilos de água salgada, lagartos-monitor e cobras.
Além de ver alguns moradores de Kakadu, espero redescobrir a imagem de um marsupial magnífico, o tilacino ou lobo-da-tasmânia, que vi pela primeira vez mais de 20 anos atrás. A imagem continua gravada em minha memória -estava pintada em uma rocha. A espécie foi extinta no território australiano há cerca de 3 mil anos.
A pintura na rocha deve ter sido feita por um caçador-coletor aborígine mais ou menos naquela época.
Pesando cerca de 27 quilos e com mandíbulas poderosas, o tilacino tinha um crânio parecido com o de um cachorro, era mais ou menos da altura e da forma de um doberman e tinha nas costas listras semelhantes às do tigre. Mesmo depois da extinção ocorrida no território principal da Austrália, milhares de tilacinos ainda vagavam pela ilha da Tasmânia quando os colonos europeus ali chegaram, no século 19.
Apesar das raras evidências de qualquer ameaça ao gado, os colonos davam prêmios pela morte de tilacinos e seus filhotes e caçavam suas presas naturais.
Em apenas 130 anos, as pressões levaram ao desaparecimento do tilacino na natureza. O último morreu no zoológico de Hobart em 1936.
Muitos residentes de Kakadu são noturnos, por isso diversas ações se desenrolam depois que escurece. Certamente, quando anoitece, meus faróis iluminam uma jovem cobra píton, com cerca de 76 cm de comprimento e não venenosa.
Na segunda noite, vemos, para minha tristeza, alguns sapos das canas.
Essa espécie foi levada para Queensland em 1935 para controlar uma praga chamada besouro da cana.
Não apenas a medida foi um fracasso total como esses sapos produzem toxinas que são fatais para a maioria dos mamíferos.
Michelle Ibbett, uma especialista em mamíferos australianos, explica que os mamíferos de Kakadu foram gravemente estressados, não apenas pelos sapos, mas também pelas práticas de fogo.
Um estudo recente de John Woinarski e colegas da Universidade Charles Darwin no Território Setentrional da Austrália revelou um recente, rápido e severo declínio dos mamíferos nativos em Kakadu. Os cientistas disseram que as populações de pequenos mamíferos de Kakadu estão "em colapso".
Em nosso último dia, caminhamos pela região de Ubirr e visitamos os sítios artísticos na extremidade norte do parque. Lá, eu avistei a imagem do tilacino.
Hoje, vejo a imagem na rocha não como uma relíquia cultural, mas como um chamado de advertência.
Alguns milhares de anos depois que essa pintura foi feita em Ubirr, o naturalista David Fleay entrou no recinto do zoológico de Hobart para filmar um tilacino macho. Ele não sabia que seu filme de 62 segundos em preto e branco seria o último registro do último tilacino.
Mas aquele tilacino talvez tenha feito o gesto mais adequado fora do quadro, um que serviu como seu comentário final para toda a história das relações entre humanos e tilacinos e sobre nosso fracasso em agir a tempo para salvar a espécie.
Fleay não percebeu que o tilacino havia se esgueirado para trás dele. O carnívoro, então, o mordeu na nádega.
Essa mordida precisa ser sentida por muito mais nádegas em todo o mundo, onde espécies invasoras, má administração e otimismo irracional colocam em perigo os lugares e as criaturas selvagens que ainda restam.


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