São Paulo, segunda-feira, 15 de novembro de 2010

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A guerra mundial do software

Pirataria fica mais sofisticada, mas a Microsoft reage

Repressão à pirataria pode prejudicar imagem da Microsoft

HAZEL THOMPSON PARA O NEW YORK TIMES
Donal Keating, da Microsoft, exibe imagens de certificados de autenticidade forjados; grandes falsificadores são o principal alvo da empresa

Por ASHLEE VANCE

A Família Michoacana, uma brutal quadrilha mexicana, chegou ao software. A polícia, no ano passado, invadiu uma casa com 50 máquinas usadas para copiar CDs e produzir versões piratas de programas como o Microsoft Office e os jogos do Xbox. Alguns discos vinham até com as iniciais FMM, de Família Morelia Michoacana.
O cartel, evidentemente, vê a pirataria como um complemento de baixo risco e alta lucratividade em comparação ao tráfico de drogas, aos subornos e aos sequestros. E ele não está sozinho dentro do crime organizado mundial, o que agrava as preocupações de empresas como Microsoft, Symantec e Adobe.
Grupos na China, na América do Sul e no Leste Europeu parecem ter redes de distribuição e vendas comparáveis às de empresas legítimas, diz David Finn, diretor de combate à pirataria da Microsoft.
A empresa adotou uma posição linha-dura contra as falsificações e contratou dezenas de ex-agentes de inteligência dos EUA, da Europa e da Ásia, usando diversas tecnologias forenses para localizar e condenar criminosos.
Mas a caça aos piratas acarreta um ônus para a reputação da Microsoft.
O lucro da empresa com o Windows e Office continua causando inveja no setor de tecnologia, e críticos argumentam que a Microsoft, simplesmente, cobra caro demais por eles. Em países como a Índia, onde a Microsoft estimula a polícia a fazer apreensões, a empresa pode passar uma imagem de valentona, disposta a perseguir os próprios parceiros comerciais se estes eventualmente oferecerem programas piratas a quem não tiver condições de adquirir o produto autêntico.
Mas Finn minimiza a acusação de que a Microsoft enfrentaria menos pirataria se reduzisse os preços. "Não temos visto conexão entre índices de pirataria e preço", diz. "Acho isso uma falácia."
Ele argumenta que a Microsoft não tem alternativa senão lutar, pois sua imensa rede de revendedores e parceiros não consegue sobreviver em áreas inundadas por softwares falsificados. Argumenta que consumidores e empresas estão sendo convencidos a comprarem programas que não funcionam ou que abrem caminho para fraudes eletrônicas.
E, o que é crucial, a falsificação de programas reduz os lucros da Microsoft. Uma entidade setorial estimou em US$ 51,4 bilhões o valor dos softwares não licenciados de todas as companhias no ano passado.
A Microsoft tem demonstrado uma rara capacidade de obter a cooperação das autoridades -não só na Índia e no México como também em Belize, China, Brasil, Colômbia, Malásia, Chile, Peru e Rússia.
Mas a busca da Microsoft por falsificações começa em Dublin, num dos dez laboratórios de criminalística da empresa. O físico Donal Keating, que comanda o trabalho forense da Microsoft, encheu o laboratório de microscópios e outros equipamentos.
O agente secreto do grupo é Peter Anaman, um advogado nascido em Gana; ele ensinava combate corporal no Exército francês e aprendeu sozinho a programar softwares.
Usando três personalidades virtuais, Anaman se aproxima de hackers que usam números roubados de cartões de crédito para montar sites de produtos piratas. "Isso é parte da coleta de inteligência humana e do monitoramento das relações", diz.
Usando um sistema de inteligência artificial, a Microsoft vasculha sites populares suspeitos e pede aos respectivos provedores que os tirem do ar. "Os sites parecem profissionais", diz, "e alguns chegam a oferecer apoio ao consumidor por meio de call centers na Índia".
Anaman diz que os grupos responsáveis por tais sites são "parte de uma web negra", ligados a redes de spam, vírus e fraudes.
Cerca de 75 outras pessoas, inclusive ex-agentes do FBI, do Serviço Secreto e da Interpol, trabalham sob comando de Finn, um ex-procurador-assistente dos Estados Unidos em Nova York. Ele diz que a Microsoft gasta "para lá de US$ 10 milhões" por ano em operações de coleta de informações e cerca de US$ 200 milhões no desenvolvimento de tecnologias contra a pirataria.
Os ladrões de softwares monitorados pela Microsoft têm diferentes formas e tamanhos. Podem ser universitários ou avós.
Mas os investigadores dedicam a maior parte do seu tempo a falsificadores de grande escala, examinando como eles produzem e distribuem seus produtos. A maior apreensão de programas piratas na história aconteceu em julho de 2007 no sul da China.
As autoridades localizaram um depósito onde os operários montavam os CDs, os materiais de autenticação e os manuais. Afinal, os investigadores encontraram US$ 2 bilhões em programas da Microsoft pirateados. Programas produzidos por essa quadrilha apareceram em 36 países.
A Microsoft descobriu que as operações dessa dimensão tendem a incluir todos os apetrechos de empresas legítimas. Os funcionários passam anos construindo contatos com revendedores de softwares mundo afora, oferecendo-lhes versões com descontos dos programas. Muitos produtos da Microsoft obrigam o usuário a digitar um código de ativação. As quadrilhas também usam versões roubadas desses códigos e, às vezes, criam sistemas de autenticação on-line.
Há dez anos, poucas empresas tinham capacidade técnica ou os US$ 10 milhões necessários para comprar máquinas capazes de prensar CDs e DVDs. Hoje em dia, uma prensa dessas de segunda mão sai por cerca de US$ 100 mil.
Porém, o que é crucial para Keating, cada prensa deixa marcas distintas nos discos. Ele passa grande parte do seu tempo submetendo CDs a uma máquina brilhante, do tamanho de uma maleta. Leva cerca de seis minutos para examinar um disco e encontrar os padrões de identificação.
Mas os esforços antipirataria da Microsoft podem ter uma contrapartida em termos de relações públicas. A empresa alterou suas políticas na Rússia após uma série de incidentes em que as autoridades locais apreenderam computadores de ONGs e jornais de oposição, usando como justificativa a busca por softwares roubados.
Finn argumenta que os esforços antipirataria da Microsoft e o treinamento das autoridades são um benefício para os países que desejam desenvolver ao máximo os seus setores de tecnologia e mostrar que dão valor à propriedade intelectual.
"A propriedade intelectual é um motor crítico do crescimento econômico", diz Finn. "Isso não é só para as grandes companhias mas também para as pequenas empresas e para os países inteiros. Trabalhamos com governos que estão percebendo que isso é do seu interesse."


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