São Paulo, segunda-feira, 15 de novembro de 2010

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Venezuela, um ímã e porto seguro para migrantes

Por SIMON ROMERO

CARACAS, Venezuela - A Venezuela está envolvida em um quebra-cabeça migratório. Enquanto muitos da classe média, nos últimos anos, buscaram a porta de saída, centenas de milhares de negociantes e trabalhadores estrangeiros apostaram no país.
O influxo pode parecer surpreendente. Neste continente pujante, a Venezuela, rica em petróleo, é a única economia sul-americana que encolheu este ano. As autoridades estão racionando divisas fortes. As desapropriações de empresas privadas pelo governo aumentam. Um importante analista financeiro tinha recentemente apenas duas palavras de conselho para os investidores: "Fujam daqui".
Mas, no mercado localizado no centro antigo de Caracas, comerciantes falam árabe, urdu e hindi. Os haitianos empurram carrinhos de sorvete e conversam em creole. Vendedores de rua oferecem DVDs em espanhol com sotaque colombiano. Tomando café na loja de roupas de Naji Hammoud, a previsão é otimista.
"Existe dinheiro na rua, quer o preço do barril de petróleo esteja a US$ 8 ou US$ 80", disse Hammoud, 36, que veio do Líbano há uma década. "Eu poderia ter mudado para a Europa, a Alemanha ou qualquer lugar e me saído bem, mas seria empregado de alguém. Sou meu próprio patrão aqui."
As marés opostas refletem a natureza cada vez mais polarizada do país. O governo do presidente Hugo Chávez, que declarou uma "guerra econômica" contra a "burguesia", desapropriou 207 empresas privadas este ano, levando muitos a buscar portos mais seguros em outros lugares.
"Sinto que posso finalmente respirar de novo", disse Ivor Heyer, 48, dono de uma fábrica de barcos que, recentemente, mudou toda a sua empresa para a Colômbia, criando mais de cem empregos lá. "Eu saí de um país onde há constante medo sobre o crime e as desapropriações do Estado, para um lugar que realmente recebe bem as empresas que lidam com algo que não seja petróleo."
Muitos imigrantes continuam chegando com vistos de turistas e ficam além de seus prazos, atraídos por rendas que são ainda maiores do que em alguns países vizinhos e pelo amplo leque de programas de assistência para os pobres.
"Aqui se pode viver com um pouco de dignidade, pelo menos o suficiente para mandar dinheiro para casa de vez em quando", disse Etienne Dieu-Seul, 35, um vendedor de rua haitiano que se mudou para cá um mês antes do terremoto devastador no Haiti em janeiro.
Cerca de 4 milhões de imigrantes vieram da Colômbia, segundo Juan Carlos Tanus, diretor da Associação de Colombianos na Venezuela.
E alguns continuam chegando, apesar da recessão prolongada aqui e dos recentes avanços na Colômbia em crescimento econômico e no combate aos grupos rebeldes que atormentam o país há tanto tempo.
O influxo é incentivado em parte pela longa tradição da Venezuela de políticas de imigração frouxas -que datam pelo menos dos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial- e pela importância do petróleo.
Mesmo em épocas de flutuação dos preços do petróleo e de insegurança institucional, as receitas das exportações de óleo deram à Venezuela uma proteção contra as crises que abalaram seus vizinhos no passado. O dinheiro do petróleo também permite uma ampla série de importações, criando uma grande sociedade de consumo e oportunidades para a colocação de produtos.
Mais de 50 mil chineses se instalaram no país, trabalhando, principalmente, como comerciantes. Milhares de lojistas e suas famílias vieram do Líbano, da Síria e da Jordânia nos últimos anos, ampliando uma tradição que data de mais de um século.
A comunidade do Oriente Médio aqui é grande o suficiente para sustentar uma das maiores mesquitas da América do Sul, exatamente em frente a uma ampla missão de cristãos maronitas do Líbano.
Enquanto os motivos econômicos são os principais para os imigrantes, a ideologia também tem certa influência para atrair alguns deles. Nativos do Oriente Médio encontram afinidades com as políticas agressivas da Venezuela em relação a Israel. Essas mesmas políticas, combinadas com temores de violência e mudanças econômicas, influíram para que milhares de judeus decidissem deixar o país.
Assim como com a imigração, não há números exatos sobre a emigração, mas o sociólogo Iván de la Vega, de Caracas, avalia estes últimos em centenas de milhares.
Em uma inversão, muitos emigrantes são filhos ou netos de imigrantes que vieram para a Venezuela durante seu longo período de bonança no pós-guerra. Espanha e Portugal, que oferecem cidadania para descendentes de imigrantes, absorveram muitos venezuelanos. Panamá e Colômbia, tentando atrair empresários venezuelanos, estão recebendo outros.
Os recém-chegados não são imunes aos problemas da Venezuela, enfrentando questões como restrições para enviar dinheiro para fora e o crescimento do crime. Assaltantes perto de Caracas mataram um trabalhador chinês em setembro molhando-o com gasolina e queimando-o vivo, segundo reportagens na mídia local. Em casos separados em outubro, sequestradores levaram duas chinesas -uma de 19 anos e outra de 38 anos- no mesmo dia (segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, a Venezuela está entre os cinco maiores índices de assassinatos per capita do mundo).
Mas isso não impediu as muitas novas chegadas. "Este é um lugar louco, não para famílias, mas bom para um solteiro como eu", disse Subash Chand, 25, que se mudou para cá há um ano vindo do Estado de Haryana, no norte da Índia, para administrar uma loja no centro de Caracas.
"Aqui existe perigo e excitação todos os dias", disse Chand. "E nessa mistura há dinheiro", acrescentou.


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