São Paulo, segunda-feira, 15 de novembro de 2010

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Iemenitas acusam seu governo de usar Al Qaeda

Por MONA EL-NAGGAR e ROBERT F. WORTH

SANA, Iêmen - Enquanto o Iêmen intensifica a campanha militar contra o braço regional da Al Qaeda, o governo enfrenta um sério obstáculo: muitos iemenitas consideram o grupo um mito ou uma manobra do seu presidente para pressionar o Ocidente por financiamento e por punição aos oponentes locais.
Essa atitude de cinismo -origem da história de manipulação política no Iêmen- dificulta os esforços de perseguir os que enviaram explosivos em outubro para os Estados Unidos. Esse cinismo também deixa mais difícil a obtenção de apoio para lutar contra a violência jihadista.
"O que é a Al Qaeda? A verdade é que não existe Al Qaeda", disse Lutfi Muhammad, 50.
Em vez dela, afirmou, a violência é "causada pelo regime e pela falta de estabilidade, além das rusgas internas".
Essa visão, que ecoa pelo Iêmen, é somente parte da teoria da conspiração.
O governo iemenita usou jihadistas como soldados no passado, e, às vezes, era impossível dizer quem estava matando quem, e por qual razão.
Uma coisa é clara: o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, voltou atrás na promessa de lutar contra a Al Qaeda feita no último ano. Saleh havia prometido muito mais recursos militares, incluindo armamento vindo do Exército dos EUA.
Seu governo está pagando um preço alto. Um dia depois da descoberta da bomba no avião, Saleh disse que a Al Qaeda havia matado 70 policiais e soldados entre fim de outubro e começo de novembro. Esse foi um aumento considerável em relação aos anos anteriores, e alguns analistas destacam tal resultado como uma prova de que a base da Al Qaeda no Iêmen está crescendo.
Mas muitos iemenitas parecem confusos. Não sabem se a Al Qaeda é culpada pelas matanças em todos os episódios ou na maioria deles. No sudeste do país, existe um movimento de separação, em franco crescimento nos últimos três anos, de característica violenta.
"Nós não temos como diferenciar a propaganda do real", disse Abdullah al-Faqih, professor de ciências políticas da Universidade Sana. "Você tem grupos tribais, Al Qaeda e o Movimento do Sudeste, e o Estado está manipulando os dados".
Existem duas narrativas sobre a Al Qaeda no Iêmen. Uma delas, apresentada pelo governo e pelas publicações do grupo na internet, divulgada no Ocidente, revela uma luta entre divisões do grupo.
A outra é uma visão popular no Iêmen: ataques confusos lançados por grupos armados com diferentes objetivos, alguns em defesa da causa política e religiosa, outros atrás de dinheiro.
As autoridades iemenitas, há muito, pagam os líderes tribais para que lutem contra inimigos domésticos ou mesmo outras tribos que estejam causando problemas para o governo. Essa política ajudou a criar uma cultura de extorsão: algumas figuras tribais promovem violência, sejam elas jihadistas ou meros criminosos e, depois, oferecem seus trabalhos para acabar com o conflito, em troca de dinheiro.
Em muitos dos recentes ataques, é difícil desenhar uma linha entre a Al Qaeda e os furiosos, empobrecidos homens jovens com acesso fácil às armas.
Essa realidade é particularmente verdade nos movimentos de separação do sul.
Muitos iemenitas parecem rejeitar as notícias de assassinato da Al Qaeda como uma "masrah", um "drama" encenado pelo governo e pela retaguarda americana. A suspeita é tão disseminada que qualquer ato do governo do Iêmen parece confirmar: invasão contraterrorista é sempre descrita como um gesto de punição ao povo do país, e a falha de agir decisivamente é ridicularizada como fraude.
"O último episódio com os pacotes só está piorando esse tipo de suspeita", disse Faqih.
"Muitas pessoas pensam que a encenação ocorreu por causa das eleições americanas ou como desculpa para a invasão futura do Iêmen pelos Estados Unidos".


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