São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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Tendências mundiais

Na crise, Kremlin manobra para retomar indústrias

Por CLIFFORD J. LEVY

BEREZNIKI, Rússia - No final de outubro, Igor Sechin, um dos mais altos lugares-tenentes de Vladimir Putin convocou um oligarca bilionário para uma inesperada reunião reservada. Sechin se interessara repentinamente por um acidente ocorrido dois anos antes nas altamente lucrativas operações mineiras do oligarca Dmitri Ribolovlev em Berezniki, o coração industrial da Rússia.
De acordo com minutas da reunião, Sechin, que é líder de uma facção pouco conhecida do Kremlin ligada aos serviços estatais de segurança, ordenou uma nova investigação sobre o acidente. Tendo a seu lado um vice-ministro do Interior que investiga crimes financeiros, Sechin ameaçou impor multas paralisantes à empresa, chamada Uralkali.
Espantado, Ribolovlev chamou a atenção para o fato de que o governo já investigara o acidente exaustivamente e absolvera a empresa de responsabilidade.
Ele buscou impedir o novo inquérito, dizendo que pagaria por alguns dos danos estruturais causados pelo acidente - um colapso numa mina que não provocou feridos, mas deixou uma grande fossa aberta de escoamento.
Sua oferta foi rejeitada, e a razão disse parecia clara: o Kremlin estava manobrando para tomar a Uralkali, pura e simplesmente.
O ex-presidente e atual premiê Putin afirma há muito tempo que a Rússia cometeu um erro colossal na década de 1990 quando permitiu que suas enormes reservas de petróleo, gás e outros recursos naturais caíssem em mãos privadas.
Ele vem agindo de maneira determinada para retomar esses recursos. O caso mais notável disso foi o da empresa petrolífera Yukos, em 2003.
Agora o Kremlin parece estar aproveitando a crise econômica, explorando o momento para aumentar seu controle sobre indústrias financeiramente enfraquecidas que cobiça há muito tempo, especialmente as do setor de recursos naturais.
No mês passado, por exemplo, o governo aumentou sua influência sobre a Norilsk Nickel, maior produtora mundial de níquel, cujos grandes acionistas "dois oligarcas bilionários" estão em situação financeira precária. E, em 4 de dezembro, Putin declarou que estuda a possibilidade de fazer outras intervenções semelhantes.
Mas o caso da Uralkali ilustra com rara clareza a disposição das autoridades em empregar quaisquer meios para assumir o controle desses ativos, incluindo sujeitar empresas a investigações questionáveis às quais elas têm poucas possibilidades de opor resistência, dizem analistas financeiros russos.
Na dianteira desses esforços está Sechin, 48, vice-premiê que é confidente de Putin desde que os dois trabalharam na Prefeitura de São Petersburgo no início dos anos 1990. Sechin quase nunca concede entrevistas ou fala em público, mas acredita-se que é líder no uso dos serviços secretos e outras armas do governo para assumir o controle de empresas.
"Ele é o principal atacante do Estado", disse Olga Krishtanovskaia, destacada especialista em Kremlin do Centro para o Estudo das Elites, em Moscou. "Ele organiza essas tomadas de empresas, às vezes em benefício do Estado e outras vezes em benefício de empresas amigáveis a ele."
O papel de Sechin no inquérito sobre a Uralkali imediatamente levou analistas e investidores a supor que a empresa estivesse em situação de risco. Suas ações, antes altamente valiosas, tiveram queda de mais de 60% desde que o inquérito começou —muito mais que a queda geral do mercado acionário russo.
Isso causou perdas enormes ao oligarca Ribolovlev, 42, conhecido como rei dos fertilizantes na Rússia devido a sua hegemonia no ramo da mineração de potassa, o componente principal de fertilizantes.
O Kremlin ainda não revelou quando será tomada uma decisão sobre a Uralkali, e a empresa espera poder negociar um acordo que inclua uma multa de algumas centenas de milhões de dólares. Analistas enfatizaram que ainda existe uma chance de Sechin recuar, depois de ver o mercado acionário reagir ao inquérito com tamanha hostilidade. Ribolovlev e outros executivos da Uralkali se negaram a ser entrevistados para este artigo.
Sechin não quis comentar a investigação, mas, no mês passado, um vice-primeiro-ministro, Igor Shuvalov, minimizou as preocupações quanto às intenções do governo.
"Ninguém vai destruir a empresa - precisamos de empresas fortes", disse Shuvalov. "Se, depois de fazer os pagamentos devidos, ela for à falência, isso não impedirá a ação do governo. Um novo proprietário será encontrado para a Uralkali."


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