São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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INTELIGÊNCIA

A fiança errada

ROBERT REICH

Os EUA têm a reputação de ser o país mais voltado para o livre mercado, o país que melhor simboliza o capitalismo do estilo "afunde ou nade". Por isso pode parecer estranho que haja uma discussão furiosa não sobre se as grandes companhias devem ser socorridas pelo governo, mas sobre quais companhias merecem sê-lo. E o debate tem implicações globais.
O Citigroup, um dos maiores bancos americanos, recebeu dezenas de bilhões de dólares do governo para evitar a falência, mas surgem questões sobre se a General Motors, que já foi a maior fabricante de automóveis do mundo, deve ser socorrida - além do dinheiro que o Congresso está dando para manter a GM acima da superfície até janeiro.
Os americanos não gostam da idéia de ajudar uma grande companhia. Eles engoliram o socorro a Wall Street principalmente porque não compreendem as finanças e são facilmente intimidados por palavras como "swaps de crédito em moratória" ou "instrumentos de dívida colateralizada". Mas aceitam com relutância quando as autoridades financeiras do país advertem sobre as terríveis conseqüências caso não se ajude Wall Street.
Mas eles conhecem os carros. A maioria das pessoas tem um. E acredita que nas últimas várias décadas as Três Grandes (GM, Chrysler e Ford) fizeram um péssimo trabalho em sua fabricação. Então, por que socorrê-las? Na realidade, porém, as Três Grandes provavelmente têm motivos melhores para receber ajuda do que os bancos, enquanto os mercados financeiros globais se sairiam melhor se Wall Street fosse submetida à falência.
O capítulo 11 do código de falência dos EUA permite que as empresas que não conseguirem pagar suas contas se reorganizem sob proteção judicial, paguem o que puderem e limpem seus balanços. Essa é a melhor maneira de fazer o crédito global voltar a funcionar. Mesmo que signifique que os credores globais de Wall Street terão de concordar em receber US$ 0,30 por dólar da dívida que eles possuem, eles acham melhor receber alguma coisa do que continuar suportando um congelamento financeiro mundial.
Os próprios acionistas e executivos de Wall Street talvez precisem sacrificar ainda mais. Mas por que não deveriam? Os credores, acionistas e executivos de Wall Street foram pagos para assumir riscos. Não há motivo aparente pelo qual os contribuintes americanos devam socorrê-los.
O capítulo 11 por si só pode não funcionar tão bem para as Três Grandes e seus fornecedores de peças. Se eles encolherem em conseqüência disso, milhões de pessoas poderão perder os empregos. Os potenciais custos sociais incluiriam seguro-desemprego, perda de receita fiscal, benefícios de pensão que teriam de ser pagos pelo governo, famílias subitamente sem seguro-saúde e comunidades inteiras cuja infra-estrutura e habitação poderiam perder quase todo o valor.
O melhor resultado, na minha opinião, seria que GM, Ford e Chrysler recebessem um híbrido de ajuda e falência pelo capítulo 11. Para cada dólar do contribuinte elas teriam de oferecer US$ 2 de sacrifícios de seus executivos, funcionários, credores e acionistas.
Para o Citigroup e outros bancos de Wall Street, porém, a resposta daqui para a frente deveria ser o capítulo 11.


Robert Reich é professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley e foi secretário do Trabalho no governo Clinton. Seu livro mais recente é "Supercapitalism"


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