São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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Traduzir comportamentos em economia inteligente


A vida real pode dar subsídios a políticas governamentais

DAVID LEONHARDT
ENSAIO

WASHINGTON - O déficit dos EUA no ano fiscal em curso pode se aproximar de US$ 1 trilhão, valor quase igual aos orçamentos conjuntos das Forças Armadas e do Medicare (seguro para idosos). Em vista da profundidade da crise atual, um déficit grande faz todo sentido. Mas o governo também precisa de planos de longo prazo para reduzi-lo.
Há um grupo de economistas que pode ajudar o presidente eleito Barack Obama nessa tarefa. São os chamados economistas comportamentais.
A economia behaviorista surgiu há três décadas, como crítica radical da premissa segundo a qual os seres humanos se comportam de maneiras economicamente racionais. Os behavioristas, como são conhecidos, observaram que essa premissa é absurda.
Pessoas que querem perder peso pagam mensalidades de US$ 100 da academia, mas raramente se dão ao trabalho de ir. Consumidores se deixam enganar, tomando empréstimos porque os juros iniciais são atraentes. Pacientes deixam de tomar medicamentos receitados por médicos - comportamento que pode lhes causar complicações graves e obrigar o Medicare a arcar com grandes contas hospitalares.
A economia comportamental já se tornou largamente aceita graças a insights como esses. Na campanha deste ano, Obama assinalou seu interesse por essa área de conhecimento, cercando-se de assessores que a vêem com bons olhos.
Alguns economistas agora discutem se Obama deveria acrescentar a sua equipe um tipo novo de assessor - alguém encarregado especificamente de traduzir as lições da revolução comportamental em políticas úteis no mundo real. Essa pessoa trabalharia com a direção do Medicare para aumentar o grau em que os pacientes seguem seus regimes medicamentosos. Ela estudaria como reescrever os regulamentos de hipotecas, como apresentar as escolhas de seguros e como reduzir as emissões de carbono.
"As questões com as quais lutamos hoje são inerentemente comportamentais", disse o economista comportamental Sendhil Mullainathan, da Universidade Harvard. "É impossível pensar na crise hipotecária atual sem refletir seriamente sobre a psicologia subjacente dos consumidores. E é impossível pensar em soluções regulatórias sem levar seriamente em conta o comportamento."
A economia comportamental é o estudo do cotidiano como ele de fato acontece, não como algum livro didático diz que deveria acontecer. Ela oferece aos criadores de políticas econômicas novas opções "mais sutis e psicológicas" que vão além de taxas de juros, impostos e outras ferramentas tradicionais.
E ela já pode apresentar um grande sucesso em termos de políticas. Em 2006, o Congresso aprovou uma lei de pensões dotada de uma cláusula que saiu diretamente de uma pesquisa sobre poupança feita por Richard Thaler, pioneiro da economia comportamental e assessor informal da campanha de Obama.
A pesquisa constatou que muito mais pessoas pouparam dinheiro num plano de aposentadoria se elas não tiveram que tomar medidas ativas para aderir ao plano. Em um estudo, apenas 45% dos funcionários novos de uma empresa participaram do plano quando essa participação exigia deles algum tipo de ação, como preencher um formulário. Quando a participação era a opção-padrão, 86% dos funcionários aderiram a ela.
A nova lei de aposentadoria conferia às empresas um pequeno incentivo para fazer os funcionários optarem por não participar do plano, em lugar de aderirem a ele. A lei não restringe de qualquer maneira as opções dos funcionários. Simplesmente incentiva a adoção de uma opção-padrão mais sensata. Peter Orszag, nomeado por Obama diretor do Orçamento, descreveu a lei como "exemplo palpável de como pesquisas econômicas podem ser rapidamente traduzidas em mudanças concretas de políticas que devem melhorar a vida das pessoas".
O interesse de Orszag pelo trabalho torna o escritório do Orçamento o lugar evidente para se testarem políticas baseadas em comportamenteos. Também faria sentido um comitê externo de especialistas no ramo.
Os assessores de Obama já descobriram que têm uma chance melhor de convencê-lo de um argumento se já consultaram previamente os maiores especialistas em qualquer campo dado.
Não faltaria trabalho para o grupo.
Uma administração da Seguridade Social comportamentalmente sintonizada, por exemplo, poderia ajudar as pessoas a fazer opções melhores quanto a quando começarem a receber os cheques da Previdência (muitas hoje o fazem aos 62 anos, o primeiro momento possível, mas isso geralmente é um erro). Os reguladores de bancos poderiam criar uma hipoteca padrão que não envolvesse taxa de juros introdutória ou outros artifícios.
A promessa da economia comportamental é ajudar a criar um governo melhor, que gaste menos e faça mais para melhorar a vida da população.
"Todo o mundo está preocupado, com razão, em impedir a chegada da próxima Grande Depressão", disse Thaler, economista na Universidade de Chicago. "Mas será importante para o governo contar com pessoas que pensem no longo prazo. Por exemplo, dado que não é bom gastar US$ 100 bilhões com caprichos, como fazer para equilibrar o Orçamento?"


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