São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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Arte & estilo

A Escandinávia é sexy? Não caia nesse conto

MICHAEL KIMMELMAN
ENSAIO

OSLO - Apesar de seu título irresistível, a exposição "O que Aconteceu com o Sexo na Escandinávia?" não é o que se anuncia, afinal. É tão erótica quanto arenque em salmoura. Mas é uma boa pergunta. O que houve com a imagem da Escandinávia como a tundra frígida do sexo quente?
A mostra é organizada pelo Departamento de Arte Contemporânea norueguês. É uma confusão virtuosa, realmente um ensaio disfarçado de exposição, que desenterra uma riqueza de informação histórica. Ela segue as raízes da liberação sexual na Escandinávia desde antigos movimentos sociais patrocinados pelo governo, como o direitos das mulheres, a educação sexual, a assistência à saúde e a liberdade de expressão. Naturalmente, quando a Guerra Fria chegou, os EUA começaram a estender um olhar cada vez mais preocupado para esta região tranqüila, liberal e pacífica de saunas, socialismo e "smorgasbord" [bufê de pratos frios], vizinha da União Soviética.
Em alguns países, a simples idéia de exibir esculturas nuas em público causaria escândalo. Na Noruega, Gustav Vigeland encheu um parque no centro da capital, Oslo, nas primeiras décadas do século passado, com centenas de esculturas de homens e mulheres nus, jovens e velhos.
Uma "falta de moderação discernível em todas as frentes" foi como o presidente americano Dwight Eisenhower avaliou a Suécia em 1960, vendo a Escandinávia em geral como um caso cautelar sobre a ampliação do assistencialismo estatal.
"Nós não pecamos mais que outras pessoas, mas provavelmente pecamos mais abertamente", respondeu um padeiro sueco a um jornalista. Outros suecos notaram que os Relatórios Kinsey, os estudos sobre comportamento sexual feitos nos EUA nas décadas de 1940 e 50, expunham um país não menos fixado no sexo do que a Escandinávia, apenas mais furtivo e hipócrita a esse respeito.
Mas ao descartar as críticas americanas à Escandinávia por sua hipocrisia perdeu-se um ponto: para muitos americanos, se não fosse para procriação, o sexo era indecente. Torná-lo algo simples e comum retirava toda a graça.
Enquanto Eisenhower atacava a Escandinávia, porém, Federico Fellini mostrava a atriz sueca Anita Ekberg na Fontana di Trevi em "La Dolce Vita".
Pena que a exposição não examinou filmes de exploração sexual como "A Sedução de Inga", "A Virgem Sueca" e "Minhas Primas Suecas", que inundaram o mercado americano. Hoje pouco lembrado pela briga da censura americana contra sua nudez masculina frontal, "I Am Curious (Yellow)", de 1967, tornou-se o filme de sexo escandinavo definitivo. Seus acasalamentos eram pontilhados por discursos sobre a lei trabalhista sueca.
Como a Escandinávia se transformou de "Virgem Sueca" em Ikea, de fornecedora de amor livre explícito em fornecedora de sofás de preço acessível?
O norueguês Berge Ragnar Furre, historiador, teólogo e político do Partido da Esquerda Socialista, hoje no comitê do Prêmio Nobel, opinou: "Aqui na Noruega também tínhamos uma forte tradição de democracia liberal que é contra a sexualidade, por isso somos historicamente divididos enquanto sociedade liberal".
Em outras palavras, os noruegueses há muito se dividem entre sexualmente liberados e puritanos, permanecendo politicamente liberais em ambos os casos.
Havard Nilsen, historiador que se especializa no psiquiatra e sexólogo Wilhelm Reich, concorda. "Aqui sempre houve uma visão elevada da sexualidade, ligada, como o movimento trabalhista e a abstinência alcoólica, a questões de reforma e salvação", disse.
Mas já no final dos anos 1970, como indicou Wencke Mühleisen, professora de estudos femininos na Universidade de Oslo, "o feminismo na Noruega voltou-se contra a sexualidade e na direção da família, a linha política vitoriosa cooperando com o Estado na busca de leis igualitárias que significaram uma gradual limpeza da promiscuidade sexual".
A cultura tornou-se mais globalizada nos anos seguintes, juntamente com os padrões de comportamento, o que significa que "enquanto em 1970 era normal ver mulheres sem a parte de cima do biquíni na praia, hoje isso é raro", acrescentou Mühleisen. "O corpo comercial ideal substituiu o corpo saudável assexuado."
Ao mesmo tempo, o papel da loira de olhos azuis no panteão sexual da pornografia foi diluído pela web e o multiculturalismo. E a Escandinávia se tornou mais parecida com qualquer outro lugar.


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