São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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Argentina debate política antidrogas

Por ALEXEI BARRIONUEVO

VILLA GESELL, Argentina - O dia começou a raiar, e a atividade na pista só ganhava intensidade. O DJ levou a música a um clímax. Colunas de fogo subiram no ar, e chuvas de confete caíram sobre a multidão enlouquecida.
"Aqui há ecstasy em todo lugar", disse Mateus Loiecomo, 19, referindo-se à droga que ajudou muitos dos presentes a manter seu pique durante uma longa noite dançando sem parar. "Mas todo o mundo deveria poder consumir a droga que quisesse", prosseguiu. "Afinal, a vida é de cada um, certo?"
A Argentina está adotando uma atitude cada vez mais liberal em relação ao consumo de drogas recreativas. O governo da presidente Cristina Kirchner vem tomando medidas para descriminalizar o uso pessoal de substâncias ilícitas e dar ao país uma das políticas mais tolerantes do mundo no tocante ao consumo de drogas.
"Não gosto quando as pessoas condenam o dependente de drogas, como se fosse um criminoso, alguém que devesse ser perseguido", disse Cristina em agosto. "Os que deveriam ser perseguidos são os que vendem as substâncias, que as dão de graça, que fazem o tráfico."
Essa atitude é compartilhada em outros países da América Latina, onde governos ou tribunais de alto nível em Equador, Colômbia e México recentemente também descriminalizaram a posse de pequenas quantidades de drogas para consumo pessoal.
Mesmo assim, o aumento do consumo de ecstasy na Argentina tem pego as autoridades de surpresa e, recentemente, ajudou a suscitar um debate acalorado sobre a nova política do governo em relação às drogas. Vários governadores de Províncias, além do vice-presidente, já se manifestaram contra a proposta.
Não existe consenso nem mesmo entre os frequentadores de festas. Sentado diante de um clube às 7h, depois de passar a noite dançando em Villa Gesell, cidade turística à beira-mar, Federico de la Rosa, 20, disse que, se a política em relação às drogas mudar, as leis ficarão "permissivas demais". "Os adolescentes não teriam problema algum em conseguir drogas", disse De la Rosa, estudante de arquitetura. "Não acho bom."
De acordo com pesquisa feita pela ONU em 2006, a Argentina já tem o maior índice per capita de consumo de cocaína nas Américas depois dos EUA. O crack (chamado de "paco" na Argentina) e seu alto poder de provocar dependência já se tornaram um flagelo mortal entre a população local de baixa renda.
Segundo Martin Jelsma, coordenador da organização de pesquisas Instituto Transnacional, de Amsterdã, a superlotação das prisões em toda a América Latina vem propiciando o abrandamento das políticas em relação às drogas. Outro fator que contribui para isso é a percepção de que as abordagens tradicionais, buscando limitar consumo e tráfico de drogas, não vêm funcionando.
No mês passado, uma comissão liderada por três ex-presidentes latino-americanos (entre eles Fernando Henrique Cardoso) lançou um relatório condenando a "guerra às drogas" liderada pelos EUA e recomendando que os dependentes de drogas sejam vistos como "pacientes do sistema de saúde", e não como "compradores de drogas em um mercado ilegal".
Mas o consumo crescente de ecstasy na Argentina vem cobrando um preço dos usuários. José Ramón Granero, que lidera a divisão de controle de drogas do governo, disse que, ainda que não haja registros, o ecstasy parece estar implicado em diversas mortes nos últimos três anos.
A conexão com o mundo da música eletrônica é tão forte na Argentina que os militantes antidrogas dizem que alguns organizadores de raves oferecem dois tipos de ingressos: o normal e o "plus", mais caro, que já inclui um comprimido de ecstasy.
Granero disse que os organizadores de raves criam obstáculos aos esforços do governo para monitorar esses eventos. "Ninguém, a não ser eles, sabe o que acontece lá dentro", disse ele.


Colaborou Charles Newbery, em Buenos Aires


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