São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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Tédio estimula rachas nas noites sauditas

Por ROBERT F. WORTH

JIDDA, Arábia Saudita - Os jovens começam a se reunir por volta de meia-noite, numa larga faixa de rodovia entre o deserto e o mar. À 1h já são centenas, aglomerados em torno dos seus carros, olhando para os lados à procura de policiais.
Então, com o som da ignição dos motores, o racha começa: um Corvette amarelo e um Mitsubishi vermelho disputam a ponta a velocidades aterradoras, separados por poucos centímetros. Gritos emanam dos acostamentos, e outra dupla de pilotos dispara pela estrada, e mais uma.
Esse deve ser o esporte mais popular entre a juventude saudita -uma competição obsessiva, semilegal, que domina as noites de fim de semana no país. Pode ser na versão comum, ou então no "drift" (deriva), prática perigosíssima em que os pilotos derrapam e dão cavalos-de-pau em altas velocidades, às vezes matando a si e aos espectadores.
Para a numerosa e subempregada jovem geração saudita, as impulsivas batalhas noturnas são uma espécie de grito coletivo de frustração, um raro escape num país ultraconservador, onde gêneros são rigorosamente segregados e a maior parte das diversões públicas é ilegal. Os jovens ficam, quase literalmente, loucos de tédio.
"Por que eles fazem isso?", disse o vendedor Suhail Janoudi, 27, que assistia aos rachas com um ligeiro sorriso, por volta de 1h30. "Porque eles não têm mais o que fazer. Porque são vazios."
Alguns jovens, questionados sobre por que arriscar a vida desse jeito, disseram que é por causa do "tufuch", termo coloquial árabe para o tédio.
O "drift", que tende a atrair homens mais pobres e marginalizados, também representa um improvável nexo entre homossexualidade, crime e jihad desde que surgiu, há 30 anos. O desejo homoerótico é um tema constante em canções e poemas sauditas sobre o "drift", e dizem que os pilotos talentosos têm os meninos mais bonitos da plateia à sua escolha. Às vezes também há drogas envolvidas. E vários "drifters" se tornaram militantes islâmicos, inclusive Ioussef al Aieri, fundador da Al Qaeda na península Arábica, que lutou no Afeganistão e foi morto pelas forças sauditas em 2003.
"A ideia por trás do 'drift' é que a economia e a sociedade não precisam de você", disse Pascal Ménoret, antropólogo que realizou quatro anos de pesquisa de campo em Riad, a capital saudita, e atualmente leciona na Universidade Princeton (EUA) e escreve um livro sobre a cultura jovem saudita. "Eles são majoritariamente jovens beduínos recém-chegados à cidade, cujas vidas são marcadas por sofrimento e comportamento autodestrutivo."
Mas a maioria dos competidores é como os rapazes de praticamente qualquer lugar: inquietos, ávidos por emoção e apaixonados por carros.
"É implantado em você quando garoto e permanece com você", disse Sulaiman Al Shulukhi, 29, que corre todas as noites de fim de semana e adotou um visual anos 50: cabelo penteado para trás com gel, camisa polo com gola levantada, jeans e sapatos brancos.
Ele exibiu orgulhosamente as modificações que fez no seu Subaru Impreza: um "spoiler" de fibra de carbono, uma válvula de admissão, um sistema especial de ventilação, um turbocarregador. Ele então entrou no carro para um passeio em uma das pistas de racha perto da orla de Jidda, à beira do mar Vermelho.
Enquanto guiava, Shulukhi contou sobre um recente acidente nesta pista, quando o carro de um amigo seu pegou fogo durante um racha, e sobre um outro, em que o piloto perdeu a direção e morreu queimado. O mundo dele é cheio de desastres e heróis da direção, alguns deles locais.
Shulukhi explicou que ele e seus amigos, que só correm com Subarus, não são "drifters". A distinção tem mais a ver com o status social do que com a atividade; ele e os amigos são na maioria da classe média e não se consideram criminosos. "Aquilo é um caminho diferente do que estamos fazendo. É um troço louco, proibido."
A polícia tenta coibir os rachas. Pouco depois da 1h30, um grupo de carros de polícia aparece com as luzes piscando, o que faz os corredores se dispersarem. Ninguém é preso. Os policiais apenas conversam com os jovens em tom paternal e pedem para eles irem para casa. Mas os rapazes encontram outros lugares aonde ir.
São cerca de 5h, e a pista começa a se encher de caminhões de entrega guiados por imigrantes paquistaneses, disposto a trabalhar pelos salários baixos que a maioria dos sauditas recusa. Os corredores decidem encerrar a noite e relutantemente dirigem para suas casas.


Colaborou Bryan Denton


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