São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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Pobres sentem arrocho no coração do futebol

Por NATE BERG

RIO DE JANEIRO - Gerações de brasileiros cresceram no "Estádio Jornalista Mário Filho", conhecido em todo o mundo como "Maracanã". Construído para a Copa do Mundo de 1950 e, na época, o maior estádio do mundo, tornou-se um marco nacional instantâneo, um símbolo da cultura brasileira centrada no futebol.
O estádio, que provavelmente abrigará a abertura e o encerramento da Copa do Mundo de 2014, é cercado por morros e pelas famosas favelas do Rio.
A visão do campo da área de admissão geral do Maracanã, sem cadeiras -conhecida como "a geral"-, custava US$ 1,80 até há pouco tempo, o que fazia dela um dos poucos lugares do Rio onde a população pobre podia ter diversão de primeira classe.
Não mais.
A geral tem desaparecido de modo constante. Sua capacidade -alguns dizem que mais de 200 mil se amontoaram nela para a final de 1950, em que o Brasil perdeu dolorosamente para o Urugua- será de apenas 76.525 quando o Maracanã renovado reabrir em 2013 para sediar a Copa das Confederações, o ensaio final para a Copa do Mundo. Essas reformas vão custar mais de US$ 600 milhões, mas não foram totalmente bem-vindas.
"É apenas uma reforma depois da outra, sem que ninguém fizesse pesquisa sobre o que as pessoas que realmente usam o estádio querem", disse Christopher Gaffney, um professor de urbanismo visitante na Universidade Federal Fluminense.
Gaffney faz parte de um recém-formado grupo de ativistas chamado Associação Nacional dos Torcedores. Eles afirmam que a cultura e a história da torcida brasileira estão sendo eliminadas conforme os estádios são modernizados. "A cultura do futebol brasileiro não é apenas ir ao jogo e depois comer um cachorro-quente com cerveja", ele disse. "É a participação ativa em um elemento fundamental da cultura do Rio."
Conforme aumenta o número de cariocas eliminados das arquibancadas por causa dos preços, a Associação Nacional dos Torcedores cresce. A organização foi criada em outubro passado e já tem 2.700 membros.
Camarotes de luxo, assentos modernos e aperfeiçoamentos de segurança são motivos pelos quais os estádios brasileiros estão mudando enquanto o país se prepara para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016. Eles também farão aumentar o preço dos ingressos. Mas o Maracanã, um estádio municipal, também é um dos espaços públicos venerados da cidade.
"Você esquece a vitalidade do Maracanã como espaço público, um raro tipo de espaço no Rio onde se podem reunir pessoas de diferentes classes sociais?", disse Bruno Carvalho, um carioca que é professor de estudos brasileiros na Universidade Princeton em Nova Jersey. "Qual é o preço a pagar quando não se permite que isso aconteça?"
Carvalho disse que se preocupa com o papel do Maracanã como espaço igualitário em uma cidade fortemente desigual como o Rio. "O que pode se perder é a natureza da experiência do estádio como algo que elimina a segregação de classes na cidade em geral", ele disse.
As autoridades brasileiras afirmam que as reformas que estão sendo realizadas nos estádios são muito necessárias. "O torcedor dedicado não pode ser tratado como um cidadão de segunda classe nos estádios locais e merece melhores condições de assistência, mais segurança, conforto, assim como acesso a bons serviços de alimentação e outros", disse Rodrigo Paiva, porta-voz do comitê organizador local da Copa do Mundo 2014.
A Associação Nacional de Torcedores continua esperançosa de que o processo possa ser alterado. "Talvez possamos tornar necessário que eles incluam um espaço cultural ou que tenham pelo menos de consultar planejadores urbanos ou associações de bairro para ver como deveriam integrar o que serão basicamente elefantes brancos ao contexto urbano", disse Gaffney.
Protegida como patrimônio histórico, a estrutura do Maracanã vai permanecer a mesma tigela de concreto que os brasileiros conhecem. Mas, por dentro, o estádio será diferente. "É uma parte tão grande da memória pública e da própria textura da cidade que é difícil imaginar algo diferente", disse Gaffney. "Mas agora é. E as pessoas terão de aceitar o fato de que não será mais o que era."


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