São Paulo, segunda-feira, 16 de novembro de 2009

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Traumas de combate também afetam mulheres


“Era meu aniversário. Me recordo de ter pensado ‘meu Deus, eu vou morrer’”
Vivienne Pacquette
Veterana da Guerra do Iraque

Por DAMIEN CAVE

Para Vivienne Pacquette, ser veterana de combate e sofrer de estresse pós-traumático significa não telefonar a seus filhos, não sair para jantar com seu marido e lembrar, em sessões de terapia, as entranhas de seus amigos que viu expostas após um ataque com morteiros.
Assim como ocorre com outras mulheres, esconder-se parece fazer sentido para ela. O transtorno de estresse pós-traumático distorce personalidades: alguns veteranos lutam enquanto dormem, outros sentem paranoia na presença de crianças. E, quando a mulher retorna a uma sociedade que não conhece o papel que ela exerceu em combate, frequentemente opta pelo isolamento, para evitar constrangimentos.
“Sou militar, afinal de contas. Sou alguém que tem de resolver problemas”, disse Pacquette, 52, oficial subalterna aposentada que fez dois turnos no Iraque e serviu o Exército dos EUA por mais de 20 anos.
“Como fica parecendo se eu não consigo endireitar minha própria cabeça?”
Até junho de 2008, 19.084 veteranas de combate em Iraque ou Afeganistão já tinham recebido diagnósticos de transtornos mentais do Departamento de Assuntos de Veteranos. Entre elas, 8.454 sofriam de transtorno de estresse pós-traumático.
No Iraque e no Afeganistão, as forças americanas vêm desrespeitando os regulamentos que proíbem mulheres de exercer papéis nos combates em campo. As militares têm combatido de maneiras nunca imaginadas por seus pais ou autorizadas publicamente pelo Congresso. E elas têm se destacado no campo.
Autoridades do Departamento de Defesa disseram que estudos indicam que os problemas de saúde mental se manifestam em proporção semelhante entre mulheres e homens. A despeito disso, dizem especialistas e veteranos, as circunstâncias da vida militar e a maneira como as mulheres são recebidas quando voltam para casa geram diferenças na maneira como elas lidam com as dificuldades. Um homem pode, por exemplo, voltar e passar a embebedar-se com seus colegas da guerra, enquanto uma mulher tem probabilidade maior de sofrer sozinha.
Encontrar equilíbrio social é especialmente difícil para as que têm maridos ou filhos pequenos. Veteranas como Aimee Sherrod, 29, mãe de dois filhos, dizem que lutam para equilibrar seu desejo de se retrair com as demandas de seus entes queridos.
Sherrod contou que, cinco anos após seu último trabalho no Iraque, ela ainda sai de sua casa em Jackson, Tennessee, apenas algumas poucas vezes por semana, geralmente para levar ou buscar da escola seu filho de quatro anos. Frequentemente se sente um fracasso porque seu filho pede coisas que ela não consegue lhe dar.
Os sons eletrônicos de fliperamas a assustam. “Levá-lo ao parque? Não dá certo”, disse. “Não gosto de lugares abertos.”
Quando Vivienne Pacquette entrou para o Exército, na década de 80, muitos homens lhe diziam que ela não tinha lugar ali. Mas, mesmo antes de ser enviada ao Iraque, em 2004, ela pressentia que a guerra nivelaria homens e mulheres militares. E foi o que aconteceu.

As militares enfrentam isolamento quando retornam para casa

Seu grupo foi alvo de disparos em Bagdá. “Era meu aniversário”, contou Pacquette. “Me recordo de ter pensado ‘meu Deus, eu vou morrer’.” Em vez disso, ela surpreendeu até a si mesma, permanecendo calma. “Como líder, eu não podia deixar meu medo transparecer”, explicou.
Mais tarde, porém, as consequências da guerra começaram a pesar. Após um ataque com morteiros, ela viu três de seus amigos dilacerados a ponto de se tornarem irreconhecíveis.
Recordando a cena quase cinco anos mais tarde, seus olhos começam a se mover rapidamente de um lado a outro, como se Pacquette estivesse procurando de onde viria o próximo foguete. Esse flashback emocional é parte de uma longa lista de sintomas de estresse pós-traumático que as veteranas hoje conhecem bem. Acessos de raiva, insônia, pesadelos, depressão, sentimento de culpa por ter sobrevivido, medo de multidões —assim como os homens, as mulheres que apresentam o transtorno podem sentir tudo isso, e sentem.
Quando Heather Paxton começou a trabalhar no hospital da Administração de Veteranos em Missouri, dois anos atrás, descobriu algo que não prevera: que ninguém a enxergava como veterana de guerra.
Apesar de ela ter servido no Iraque, os pacientes presumiam que ela não tivesse nenhuma experiência da guerra em primeira mão. As veteranas de combate sentem que seu sacrifício é menosprezado em bares, onde estranhos as ignoram e compram bebidas para homens que nunca foram enviados para a guerra, e em eventos de boas-vindas, onde os organizadores pedem a presença de seus maridos.
Tammy Duckworth, ex-piloto que perdeu as pernas numa explosão no Iraque, disse que fatos como esses demonstram que “estamos passando por uma transformação”. O que muitas pessoas não percebem, disse ela, que atualmente trabalha na Administração de Veteranos, é que hoje, na guerra, “não existe a pergunta ‘será que as mulheres podem exercer papéis de combate?’. Elas já os estão exercendo”.


Colaborou Diana Oliva Cave


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