São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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O difícil caminho para um mundo mais saudável

Bill Gates reavalia sua guerra lançada contra as doenças

STEPHEN MORRISON/EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY
A Fundação Gates almejava que até 2010 os cientistas criassem uma vacina contra a malária que não necessitasse de refrigeração; agora, a meta é obtê-la até 2015

Por DONALD G. McNEIL Jr.
SEATTLE

HÁ CINCO ANOS, Bill Gates fez uma oferta extraordinária: convidou cientistas a apresentarem ideias contra os maiores problemas da saúde global, como a falta de vacinas para a Aids e a malária, a necessidade de refrigeração e uso de seringas para a maioria das vacinas e o fato de muitos cultivos tropicais, como banana e mandioca, serem pobres em nutrientes.
Cerca de 1.600 propostas surgiram, e as 43 mais promissoras receberam US$ 450 milhões da Fundação Bill e Melinda Gates. Agora o prazo de cinco anos para o desenvolvimento acabou, e a fundação recentemente reuniu os cientistas em Seattle para avaliar os resultados.
Numa entrevista, Gates parecia ter aprendido uma lição, dizendo várias vezes: "Fomos ingênuos quando começamos". Como exemplo, citou a busca por vacinas que dispensem refrigeração. "Na época, pensei: 'Oba, vamos ter um monte de vacinas termoestáveis até 2010'. Mas não estamos nem perto disso. Eu ficaria surpreso até mesmo se tivermos uma antes de 2015."
Em 2007, em vez de oferecer mais doações multimilionárias, ele começou a fazer centenas de contribuições de US$ 100 mil. O valor não permite grandes avanços, mas com ele os cientistas podem acrescentar metas a recursos que já possuem. "E um cientista num país em desenvolvimento faz muita coisa com US$ 100 mil", disse Gates.
Em geral, disse ele, "em termos de chamar a atenção para as formas como vidas podem ser salvas por meio de avanços científicos, eu nos daria nota 10; mas achei que alguns [projetos] já estariam salvando vidas, e deve demorar mais uns dez anos".
A seguir, uma amostra do andamento de alguns projetos financiados por Gates:

Vacinas secas
Os inventores mais afetados são os que trabalham com as vacinas termoestáveis. Várias técnicas funcionaram, mas fazia pouco sentido pagar para que todas sigam adiante. E ter uma ou duas delas não resolve se as clínicas rurais continuarem precisando de geladeiras e eletricidade para as demais.
Abraham Sonenshein, da Universidade Tufts, de Massachusetts, teve sucesso em juntar proteínas da vacina antitetânica a um esporo bacteriano que sobrevive ao calor e ao frio, e que pode ser borrifado no nariz. Mas a verba dele acabou antes que ele pudesse agregar vacinas para difteria e coqueluche, ou iniciar testes em humanos.
Robert Sievers, químico da Universidade do Colorado, também alcançou sua principal meta -agregar uma vacina contra sarampo a uma matriz de açúcar, que pode ser armazenada a seco. A verba de Gates para Sievers não foi renovada, mas ele estabeleceu uma parceria com a empresa Serum Institute of India.
A Fundação Gates continua patrocinando duas técnicas de termoestabilização. A primeira agrega as vacinas a nanopartículas para absorção nasal.
James Baker Jr., diretor do instituto de nanotecnologia da Universidade de Michigan, disse que ela funciona com vacinas de hepatite B e gripe. A outra funciona contra a malária. Em vez de ser engarrafada, ela pode ser preservada seca, em um pedaço de filtro de papel.

"Olfaticidas" de mosquitos
Por serem os inventores de "uma linhagem celular que se comporta como uma antena de mosquitos", recriando em laboratório os sensores olfativos dos insetos, Leslie Vosshall, da Universidade Rockefeller, de Nova York, e Richard Axel, do Instituto Médico Howard Hughes, da Universidade Columbia, também de Nova York, receberam US$ 5 milhões para "caçarem" moléculas capazes de bloquear a capacidade dos mosquitos de localizarem as pessoas.
A verba de Gates para o trabalho foi renovada por dois anos.

"Exaustão" de células imunológicas
Outra verba está sendo suspensa por ter atraído apoio comercial demais.
Rafi Ahmed, imunologista da Universidade Emory, de Atlanta, estuda as causas da "exaustão" das células T do sistema imunológico durante a longa batalha contra alguns vírus, como o HIV ou o da hepatite C. Ele descobriu que as células desenvolvem "receptores inibidores".
Em ratos e macacos, ele encontrou moléculas ou anticorpos que bloqueiam esses receptores inibidores, estimulando as células. "Isso não resulta em uma cura, mas é bastante promissor", disse Ahmed.
Como as células T combatem muitas doenças, inclusive o câncer, a Genentech, a Bristol-Myers Squibb e os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA estão oferecendo verbas a Ahmed.

Banana enriquecida
James Dale, da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, conseguiu acrescentar vitamina A à banana, e está trabalhando também na adição de ferro.
Uma nova doação de Gates irá patrocinar testes em Uganda, inclusive para ver se as pessoas aceitam a nova fruta, cujo interior tem uma cor alaranjada, por causa da presença de beta-caroteno, precursor da vitamina A.

E mandioca enriquecida
A verba de US$ 7 milhões para a BioCassava Plus, um consórcio comandado pela Universidade Estadual de Ohio, foi aumentada para US$ 12 milhões.
Embora ainda vá levar dez anos, o projeto está alcançando metas intermediárias, disse Richard Sayre, seu principal pesquisador. Elas incluem uma redução nos níveis naturais de cianeto nos tubérculos, o aumento da presença de proteínas, ferro, zinco e vitaminas A e E, e o desenvolvimento de resistência a doenças da mandioca.
A mandioca é um alimento básico para cerca de 800 milhões de pessoas, mas alguns ambientalistas causaram atrasos nas pesquisas por se oporem aos testes na Nigéria e Uganda.

Mosquitos e bactérias
O projeto que avança mais rapidamente é o de Scott O'Neill, biólogo da Universidade de Queensland, na Austrália.
Ele recebeu US$ 7 milhões para tentar infectar mosquitos com uma cepa da bactéria Wolbachia, que não mata os insetos imediatamente, mas impede que eles atinjam a maturidade.
A vantagem é que uma fêmea precisa estar na "meia idade" -cerca de 14 dias- para poder contrair o vírus da dengue ao picar humanos, deixar o vírus amadurecer no seu intestino, e então transmiti-lo a outras pessoas. A técnica teve um efeito colateral inesperado: bloqueou também outra doença, chamada chikungunya. "É como uma vacina para mosquitos -protege-os de contraírem o vírus", disse O'Neill.
A Fundação Gates continua patrocinando seu trabalho.

Células-tronco
O projeto mais radical anunciado em 2005 foi o de David Baltimore, um dos ganhadores do Nobel de Medicina de 1975. Baltimore teve a ideia de remover das pessoas as células-tronco destinadas a serem glóbulos brancos do sangue, e infectá-las com um vírus de atuação lenta, contendo genes que reprogramariam seu maquinário interno de modo a produzirem anticorpos capazes de atacarem o HIV em dois pontos diferentes.
"Esta abordagem original, de alto risco e alta recompensa, revelou-se muito difícil", disse um documento da Fundação Gates. A verba foi "redirecionada" para outra meta: injetar genes que codificam esses novos anticorpos nas células musculares. A esperança é que isso se torne uma forma mais simples de prevenção do que os atuais esforços para a criação de uma vacina contra o HIV.


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