São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

ENSAIO

JAMES GLANZ

O firmamento do tempo volta a atrair atenções

Pirâmide maia e acelerador tentam atingir o inatingível

Passei pelo desgastado templo de pedra e pelas demais estruturas recobertas de vegetação que pareciam crescer em meio à floresta. Estava em Xunantunich, a pirâmide sagrada dos maias, construída de maneira a se alinhar cuidadosamente com o sol, a lua e as estrelas.
O trabalho foi realizado camada a camada, por centenas de anos e sucessivas gerações, até que aconteceu algo de errado -não se sabe exatamente o quê-, e os moradores simplesmente partiram. Não estou certo do que pensa a maioria dos visitantes ao contemplar o mistério da construção. Dado meu passado como físico, eu pensei no Large Hadron Collider (LHC), outra estrutura grandiosa dotada de aspirações cósmicas mas sujeita a problemas terrenos capazes de frustrar suas ambições.
O acelerador de partículas LHC, máquina gigantesca construída nas cercanias de Genebra, Suíça, para identificar partículas subatômicas que poderiam ajudar a explicar a origem do universo, já estava paralisado e com seu cronograma de reparos atrasado quando fiz minha recente visita a Belize. E, posteriormente, o laboratório que administra o acelerador anunciou que, quando ele começar a promover colisões de partículas, no começo de 2010, operará só com metade da energia planejada, devido a um curto-circuito que revelou problemas estruturais no experimento.
Em Belize, contemplando as ruínas, tive um vislumbre de uma ideia que me tomaria com força mais tarde: em Xunantunich e na Suíça, as vastas dimensões de tempo e espaço cósmicos parecem saber como apequenar os esforços e recursos dos mortais que tentam compreender o universo.
Talvez eu tenha exagerado no rum, mas as semelhanças entre os dois projetos me pareciam evidentes. O acelerador no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) foi construído ao longo de gerações por cientistas para ajudá-los a conectar as menores e as maiores estruturas do universo, para talvez entender por que o cosmos é tão hospitaleiro para com a vida.
Excetuadas as partículas, Xunantunich foi construída mais ou menos para a mesma finalidade, nas colinas da América Central. Em vez de quarks e léptons, os frisos que contornam a pirâmide retratam os deuses do firmamento, da terra e dos subterrâneos, e o lugar da humanidade entre eles. As estruturas foram dispostas segundo observações astronômicas, de forma a ajudar as pessoas a marcar com precisão a passagem do tempo.
E, como Xunantunich, o acelerador está silencioso agora. Após 15 anos e US$ 9 bilhões em investimento nessa nova fase do CERN, o acelerador, de colaboração internacional, teve de ser desativado devido ao curto-circuito, o que levou alguns cientistas a questionar se o aparelho será capaz de justificar o dinheiro investido em sua criação.
Mas outros cientistas acreditam que seria uma injustiça ameaçar o acelerador devido a atrasos -minúsculos em comparação com a escala cronológica do universo- que o experimento tenta explicar.
"Não vejo a situação de maneira assim apocalíptica", disse Steven Weinberg, físico de partículas premiado com o Nobel, que contou ter visitado o CERN recentemente e não encontrado quaisquer sinais de uma retirada à maneira dos maias. "Todos lá estavam insatisfeitos com o acidente, mas não tive a sensação de que estivessem resignados a nada mais que um adiamento."
Os cientistas que acompanham o tema reconhecem que, à medida que os experimentos de física crescem a ponto de terem de ser legados de geração a geração, e custam tanto que nenhum país poderia bancá-los sozinho, não seria preciso muito para causar um revés catastrófico ao projeto.
"Nos anos 60, um experimento com três meses de duração era algo de enorme", disse Allan Franklin, historiador da ciência na Universidade do Colorado (EUA). Agora, com bilhões de dólares e as carreiras de centenas de cientistas em jogo no CERN, diz Franklin, "se ele falhar, será um desastre para todo esse campo de estudos".
Qualquer que tenha sido a causa do êxodo maia, James Gillies, porta-voz do CERN, disse não acreditar que o laboratório esteja a ponto de sofrer destino semelhante. Gillies acrescentou que, se num futuro muito distante, visitantes contemplassem as ruínas do laboratório como eu contemplei Xunantunich, haveria menos mistérios a ponderar.
"Espero que a espécie humana consiga sobreviver por tanto tempo", disse Gillies. "E que deixemos marca suficiente na ciência para que as pessoas não precisem especular em que o CERN estava trabalhando."


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