São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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Avanço da China beneficia poucos

Partilha com a classe média é crucial para economia mundial

Shiho Fukada para The New York Times
capitalismo de Estado chinês favorece bancos, mas está tentando levar as pessoas a gastar mais; consumidores como Wang Shue se preocupam com os custos dos alimentos e da saúde

Por DAVID BARBOZA
Jilin City, China

O valor das poupanças das famílias chinesas vem encolhendo, mas não é por culpa delas.
Sob um sistema econômico que favorece os bancos e as empresas estatais em detrimento dos assalariados, o governo da China mantém os juros das cadernetas de poupança tão artificialmente baixos que eles não conseguem acompanhar a inflação em alta.
Ao mesmo tempo, uma rede de segurança social fraca, salários deprimidos e imóveis cada vez mais caros geram um impulso de guardar dinheiro que leva muitas pessoas a continuar poupando de qualquer maneira. De fato, economistas dizem que a década de crescimento econômico notável da China foi paga em grande medida pelas economias domésticas dos 1,3 bilhão de chineses, e não por seus gastos.
Esse sistema, descrito por alguns especialistas como capitalismo de Estado, depende da transferência de riqueza das famílias chinesas para os bancos estatais, corporações apoiadas pelo governo, e para os poucos ricos que possuem conexões suficientemente boas para se beneficiarem do arranjo, fechando negócios com vantagens.
Enquanto isso, as famílias de classe média enfrentam dificuldades e não têm condições de desfrutar todos os benefícios do milagre econômico chinês.
"Esta é a base do sistema inteiro", disse Carl E. Walter, ex-executivo do J.P. Morgan e co-autor de "Red Capitalism: The Fragile Financial Foundation of China's Extraordinary Rise" (Capitalismo Vermelho: o Frágil Alicerce Financeiro da Extraordinária Ascensão da China).
"Os bancos emprestam para quem o Partido Comunista lhes manda emprestar", disse Walter. "Assim, eles punem os poupadores comuns para beneficiar os bancos e as empresas estatais."
Se a China não começar a dar mais poder de compra a seus cidadãos, avisam alguns especialistas, o país pode pouco a pouco mergulhar no mal-estar de crescimento baixo que hoje aflige os Estados Unidos, Europa e Japão. Este ano o índice de crescimento da China já começou a esfriar.
O problema não é apenas da China. Economistas dizem que, para que a China continue a ser um dos poucos motores de crescimento do mundo, ela terá que cultivar uma classe consumidora que compre uma parte maior dos produtos e serviços do mundo e compartilhe mais da riqueza da nação.
Com as economias enfraquecidas dos Estados Unidos, Europa e Japão limitando a capacidade da China de continuar a depender das exportações para crescer, o governo chinês sabe da importância de dar mais poder de compra a seus próprios consumidores. O governo central já vem tomando medidas para elevar as rendas na zona rural e chegou a oferecer subsídios para a aquisição de carros e eletrodomésticos.
Nos últimos dez anos os gastos dos consumidores chineses diminuíram como parcela da economia total, caindo de 45% do PIB para mais ou menos 35% hoje. É de longe a porcentagem mais baixa de qualquer economia grande em qualquer parte do mundo (mesmo na economia americana estagnada, os gastos dos consumidores representam 70% do PIB).
"Para que a China possa continuar a crescer, esse sistema terá que mudar", diz Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim. "Eles vão ter que parar de penalizar os consumidores."
O Partido Comunista prometeu reforçar o consumo pessoal. Mas fazê-lo correria o risco de solapar um pilar do sistema financeiro atual da China: as poupanças familiares que apoiam os bancos administrados pelo governo.

Bancos cheios, bolsos vazios
Aqui em Jilin City, os bancos estatais estão cheios de dinheiro das contas de poupança. Os bancos usam esse dinheiro para dar empréstimos a juros baixos a beneficiários corporativos -incluindo construtoras, ajudando a alimentar uma bolha imobiliária especulativa que já elevou os preços dos imóveis para fora do alcance de muitos consumidores. É uma dinâmica que se repete em cidades em todo o país.
Enquanto isso, o banco central chinês, em Pequim, também depende do imenso pool de economias de consumidores do país para ajudar a financiar grandes investimentos nos mercados de divisas, como maneira de manter a moeda chinesa artificialmente fraca. A moeda fraca ajuda a sustentar a poderosa economia exportadora chinesa, ao reduzir o preço global dos produtos chineses. Mas ela também deixa os produtos importados fora do alcance de muitos chineses.
Os relatos na imprensa sobre novos-ricos chineses comprando iPhones, bolsas Gucci e relógios Rolex podem incentivar sonhos de empresários ocidentais de ver a China tornar-se o maior mercado de consumo do mundo. Mas, em muitas cidades chinesas, as opções que os consumidores têm se limitam em grande medida aos produtos restritos oferecidos em lojas estatais e no pequeno comércio. As vendas de supostas "grifes" globais se dão principalmente sob a forma de produtos falsificados, muitas vezes vendidos em feiras livres.
"Gostaríamos de gastar, mas depois de pagar as contas não sobra nada", disse a administradora escolar Yang Yang, 34 anos. Para poupar dinheiro, ela, seu marido e filho recentemente foram viver com os pais dela.
A grande pergunta é se o governo conseguirá mudar o sistema econômico suficientemente para realmente fazer uma diferença.

Frugalidade nascida da necessidade
Se a China quiser fazer com que os gastos dos consumidores representem uma parte maior da economia, terá que incentivar grandes mudanças nos hábitos de pessoas como Wang Jianping, especialista em design rodoviário, e sua mulher, Shue Wang, que se aposentou há sete anos.
Os Wang, ambos com 52 anos, têm receita anual conjunta de US$16 mil -mais que o dobro da média nacional entre as famílias urbanas.
Eles possuem um apartamento modesto em Jilin City. Pagaram os estudos do filho deles na prestigiosa Universidade Tsinghua, em Pequim. E são grandes poupadores: têm US$ 50 mil guardados em um banco estatal.
Mas, como muitas outras famílias chinesas, os Wang se sentem pressionados. Eles não têm carro; fazem poucas compras e raramente comem fora.
"Somos bastante tradicionais", disse Shue Wang, que recebe uma pensão. "Não gostamos de gastar hoje o dinheiro de amanhã."
Mas o dinheiro de amanhã pode não valer tanto quanto o de hoje -não enquanto a poupança for reajustada em apenas 3%, enquanto a inflação está em 6%.
Mas os Wang têm medo de investir no mercado acionário chinês, notoriamente volátil. As leis chinesas limitam fortemente suas possibilidades de investir no exterior ou enviar dinheiro para fora do país de qualquer outra maneira. E especular com imóveis pode ser arriscado se a bolsa estourar.
Como muitos outros chineses, os Wang poupam porque se preocupam com os custos crescentes dos alimentos e os altos custos da saúde, que não é mais coberta pela República Popular.
Por que a China suprime propositalmente o mercado de consumo que poderia ajudá-la a alcançar sua meta? Para alguns analistas, a política atual tem suas origens no final dos anos 1990. Foi quando o inchaço das estatais chinesas gigantescas e pouco competitivas quase levou a expansão econômica do país a parar. De repente, com as estatais correndo o risco de falir, os bancos estatais se viram onerados com centenas de bilhões de dólares em dívidas que não seriam saldadas. Muitos dos bancos corriam o risco de ficar insolventes.

Reverter uma política
Para evitar uma crise, Pequim autorizou as estatais a demitir dezenas de milhões de pessoas. E, para escorar os bancos, Pequim assumiu controle mais rígido dos juros, o que incluiu uma redução nos juros pagos aos depositantes.
É assim que os bancos chineses conseguem fornecer financiamento muito barato a empresas estatais e ainda registrar lucros.
Elevar o consumo vai exigir uma reforma radical da economia chinesa -não apenas fazer os bancos sobreviverem sem o subsídio das economias de particulares, mas forçar as estatais a pagar juros muito maiores sobre os empréstimos que contraem. Também exigirá deixar que a moeda chinesa suba. Em outras palavras, significará um desmonte do capitalismo de Estado que possibilitou à China avançar tanto, em tão pouco tempo.
"Para que o consumo aumente, é preciso parar de tirar dinheiro das famílias", disse Pettis.

Contribuiu Xu Yan



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