São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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ANÁLISE

Quem dera fosse uma depressão

Recessão de certa forma é pior do que a Grande Depressão


Ao contrário dos anos 1930 não há setores econômicos surgindo

Por DAVID LEONHARDT

Por trás das misérias da Grande Depressão, a economia dos EUA avançava a passos largos na década de 1930. A televisão e as meias de nylon foram inventadas. Geladeiras e lavadoras viraram produtos para consumo em massa. As ferrovias se tornaram mais rápidas, e as rodovias ficaram mais lisas e largas. Como já disse o historiador econômico Alexander Field, aquela foi "a década tecnologicamente mais progressista do século".
Os economistas costumam fazer uma distinção entre tendências cíclicas e tendências seculares -ou seja, entre flutuações de curto prazo e mudanças de longo prazo na estrutura básica da economia. Nenhuma década ilustra melhor essa diferença que os anos 30: ciclicamente, a pior década do século 20; mas, secularmente, uma das melhores.
Seria bem legal se a gente pudesse se reconfortar com essa história. No entanto, a lição da década de 1930 pode ser o contrário disso. O mais preocupante na atual contração é que ela combina óbvios problemas de curto prazo decorrentes da crise financeira com outros não tão óbvios, de longo prazo, como a desaceleração na formação de novos negócios, que já dura uma década, e a estagnação dos ganhos educacionais.
Isso abre a possibilidade de que os Estados Unidos estejam não só passando por uma grave contração econômica como também entrando numa fase em que o desemprego elevado é a norma.
É, provavelmente, um período similar àquele que a Europa enfrenta durante parte da última geração: ela é rica, mas está em dificuldades, com um desemprego cronicamente elevado, gerando temores de um declínio nacional. E uma redução no poder de compra na maior economia mundial -onde 70% do PIB está ligado ao consumo- não é um bom presságio para uma recuperação global depois da pior crise desde a Grande Depressão.
Em setembro, a expansão do emprego nos EUA foi medíocre, e o desemprego permaneceu em 9,1%. Os analistas dizem que a taxa dificilmente cairá abaixo de 7% antes de 2015. Quase 6,5 milhões de norte-americanos estão oficialmente desempregados há pelo menos seis meses, e alguns milhões adicionais deixaram a força de trabalho -nem procuram mais emprego- desde 2008. A maioria foi posta na rua por causa da recessão. Mas muitos vão continuar sem trabalho até bem após a economia voltar a crescer.
Geralmente, crises financeiras levam a quase uma década de desemprego elevado, segundo pesquisa feita por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Eles consideram que a crise recente começou em meados de 2007, o que significa que a década de desemprego em alta ainda não chegou nem à metade.
É claro que fazer previsões sombrias sobre a economia americana, especialmente após uma recessão, pode ser perigoso. Nos últimos 50 anos, os arautos do apocalipse clamaram que os Estados Unidos estavam ficando para trás da União Soviética, do Japão e da Alemanha, e foram sempre desmentidos.
Os EUA ainda têm vantagens que nenhum outro país possui: a melhor rede de investimentos, cultura de assumir riscos, apelo para imigrantes. Esses trunfos costumam dar origem à próxima grande indústria, mesmo quando os trunfos são mais salientes que os problemas do país.
Isso é parte do que aconteceu na década de 1930. Aconteceu também na década de 1990, quando muita gente se preocupava com temas como recuperação sem empregos e declínio econômico. Numa conferência convocada em 1992 por Bill Clinton para falar de economia, ninguém mencionou a internet.
Ainda assim, as razões para preocupação hoje são sérias. Na década de 1930, os EUA estavam incrementando amplamente a sua capacidade produtiva, como argumenta Field no seu livro "A Great Leap Forward" ("um grande salto adiante"). Como a Depressão eliminava as ineficiências, e por causa do surgimento de novas tecnologias, a economia ia queimando gordura e ganhando musculatura. Junto com a vasta industrialização para a Segunda Guerra Mundial, isso permitiu o "boom" no pós-guerra.
Nos últimos anos, por outro lado, a economia não se saiu bem na criação de capacidade produtiva. Não existe uma versão contemporânea das ferrovias da década de 1870, da indústria automobilística na década de 1920, ou mesmo da internet nos anos 90. A produção econômica total ao longo da última década, medida pelo produto interno bruto, cresceu mais lentamente do que em qualquer outro período de dez anos desde a década de 1950.
Talvez a razão mais importante, além da crise financeira, seja a qualificação média da força de trabalho. Os Estados Unidos são o único país rico do mundo que não elevou substancialmente nas últimas três décadas a proporção de jovens adultos com diploma equivalente ao de bacharel.
Austrália, Nova Zelândia e Canadá fizeram progressos educacionais consideráveis desde a década de 1980, por exemplo. Suas taxas de desemprego, outrora maiores que a nossa, agora são inferiores.
A economia americana também parece sofrer de uma má alocação de recursos. Três setores gigantescos -finanças, saúde e habitação- contêm atualmente uma enorme capacidade ociosa. Na saúde, os EUA gastam com atendimento médico pelo menos 50% a mais por pessoa do que qualquer outro país, sem obter resultados muito melhores.
Nas finanças, os volumes de transações dispararam nas últimas décadas, mas não está claro até que ponto essa atividade melhorou o padrão de vida das pessoas. Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve (Banco Central), disse recentemente, em tom de brincadeira, que a única inovação financeira útil dos últimos tempos foi o caixa eletrônico.
Em comum, esses setores se perguntam se não estão usando recursos que poderiam ser mais bem empregados em outras partes e atividades. "O problema da saúde é muito parecido com o problema financeiro", diz Lawrence Katz, economista em Harvard, "já que pessoas incrivelmente talentosas estão desperdiçando seu talento em algo que é essencialmente um jogo de soma zero".
Finanças, saúde e habitação diferem dos motores de crescimento do passado -transporte mais veloz; novos conhecimentos- e permitiram que outros setores aprimorassem esses avanços.
O ritmo da criação de empresas também tem caído na maior parte da última década. O mesmo vale para o ritmo de criação de vagas das empresas já existentes.
"O problema não é que temos muitas demissões", diz Katz. "É que não temos contratações." Se a história se repete, essa situação vai acabar se revertendo. Mas, por enquanto, os sinais para esse otimismo são escassos.
E a economia americana continua a milhões de empregos de distância de estar moderadamente saudável.



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