São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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O alto preço do controle de imigração


Histórias de horror acompanham onda de terceirização

Por NINA BERNSTEIN

Um punhado de companhias de segurança multinacionais vem transformando o controle da imigração em uma indústria global.
Especialmente no Reino Unido nos Estados Unidos e na Austrália, os governos têm procurado essas companhias para expandir a detenção e mostrar aos eleitores que estão aplicando leis de imigração mais duras.
Mas o crescimento da detenção privatizada é acompanhado por graves relatórios de inspeção, processos legais e a documentação de abusos e negligência generalizados, às vezes mortais.
"Eles são muito bons nos folhetos coloridos", disse Kaye Bernard, chefe do sindicato de trabalhadores na detenção no território australiano de Christmas Island, onde houve tumultos este ano. "No local, é quase ridículo, o caos e a incapacidade de funcionar."
Nos EUA -com quase 400 mil detenções anuais em 2010, contra 280 mil em 2005- as empresas privadas hoje controlam quase a metade de todos os leitos de detenção. No Reino Unido, sete dos 11 centros de detenção e a maioria dos locais de detenção de curto prazo para imigrantes são operados por empreiteiras comerciais.
Mas nenhum país terceirizou mais completamente o policiamento da imigração, com resultados mais perturbadores, que a Austrália. Na metade da última década, depois que filhos de refugiados costuraram seus lábios durante greves de fome e cidadãos australianos e residentes legais foram detidos e deportados por engano, o governo desmontou partes do sistema.
Mas, depois de prometer devolver o trabalho ao setor público, um governo trabalhista concedeu em 2009 um contrato de cinco anos e US$ 370 milhões para a Serco, um dos três grandes atores globais no negócio de detenção privada.
O valor do contrato aumentou desde então para mais de US$ 756 milhões, pois os locais de detenção quadruplicaram, chegando a 24, e o número de detidos inchou de 1 .000 para 6.700. No último ano, rebeliões, incêndios e protestos suicidas causaram milhões de dólares de prejuízos em centros da Serco, e a autoagressão pelos detidos aumentou 12 vezes.
No centro de detenção da Serco em Villawood, perto de Sydney, imigrantes falaram sobre detenções prolongadas e sem prazo que os enlouquecem. Alwy Fadhel, 33, um indonesiano, estava com o cabelo caindo em chumaços depois de mais de três anos entrando e saindo do confinamento solitário. "Nós falamos conosco mesmos", disse ele. "Falamos com o espelho e com a parede."
Naomi Leong, 9 anos, que nasceu no campo de detenção, estava crescendo muda e batendo a cabeça nas paredes enquanto sua mãe, Virginia Leong, da Malásia, entrou em depressão. As duas ficaram famosas em protestos contra o sistema, que levaram a sua libertação em 2005, graças a um visto humanitário.
No Reino Unido, no último outono, outra multinacional, a G4S, esteve sob investigação criminal por causa do sufocamento de um angolano que morreu enquanto três escoltas da empresa o seguravam em um voo da British Airways. Também em 2007 a Comissão de Direitos Humanos da Austrália Ocidental descobriu que motoristas da G4S tinham ignorado os gritos de detidos trancados em uma van sufocante, deixando-os tão desidratados que um bebeu a própria urina.
Houve uma revolta pública quando um aborígene morreu em outra van da G4S em circunstâncias semelhantes no ano passado. A empresa admitiu sua culpa de negligência na morte na van este ano e foi multada em US$ 285 mil. Porém, a companhia mais tarde recebeu um contrato de transporte de prisioneiros por cinco anos e US$ 70 milhões em outro estado australiano, Victoria.
"Se uma área ou território desacelera, podemos mudar para onde está o crescimento", afirmou a investidores no ano passado o executivo-chefe da Serco, Christopher Hyman. A carteira de US$ 10 bilhões da Serco inclui outros negócios, de controle de tráfego aéreo e processamento de vistos nos EUA a manutenção de armas nucleares e vigilância de vídeo.
Nick Buckles, executivo-chefe da G4S, disse a analistas no ano passado como sua empresa floresceu na Holanda em uma semana, depois do assassinato em 2002 de um político com uma agenda contra a imigração.
No Reino Unido, a G4S tem mais de US$ 1,1 bilhão em contratos. A G4S faz entregas de dinheiro para bancos na maioria dos continentes, realiza segurança em aeroportos em 80 países e tem 1.500 empregados na imigração no Reino Unido, Holanda e EUA.
Em março, em um campo da Serco na Austrália, um afegão de 19 anos de um grupo perseguido pelos Taleban se enforcou -é o quinto suicídio no sistema em sete meses. Uma dúzia de guardas da Serco se viram lutando contra centenas de detidos irritados, por causa do corpo do adolescente.
"Perdemos o controle", disse Richard Harding, que serviu como inspetor-chefe de prisões na Austrália.
Ele disse que o que aconteceu no campo da Serco foi emblemático de "um acordo defeituoso". Ele acrescentou: "Essas grandes companhias globais, em relação a atividades específicas, são mais poderosas que governos".

Matt Siegel contribuiu com reportagem de Sydney, Austrália



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