São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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Fechando as portas aos indesejados


Reino Unido endurece repressão aos sem-tetos

Por SARAH LYALL

LONDRES - Ao chegar recentemente a um imóvel que possui para alugar nos arredores de Londres, e que deveria estar vazio, o advogado Sam Chima se surpreendeu ao encontrar uma fechadura nova na porta, e um estranho olhando pela janela.
"Quem é você?", perguntou Chima.
"Eu moro aqui", respondeu o homem. "Tenho um acordo de locação com o proprietário." Seguiu-se uma discussão cheia de palavrões, na base do "não tem, não!", "tenho, sim!". Como o estranho se recusava a abrir a porta, Chima estava proibido pela lei de entrar. Ele teve que ir à Justiça para recuperar o imóvel.
"Muita gente precisa enfrentar o sofrimento, o custo e o incrível aborrecimento de retirar ocupantes da sua propriedade", disse o ministro britânico da Justiça, Crispin Blunt, cujo governo promete adotar leis mais duras contra os "squatters", como são chamadas, em inglês, as pessoas que ocupam imóveis.
Alguns "squatters" são sem-teto legítimos; outros parecem ser contra o governo ou simplesmente contra o pagamento de aluguel. Em março, um grupo chamado Topple the Tyrants ("derrubem os tiranos") ocupou na zona norte de Londres uma casa de US$ 17 milhões pertencente a Seif al Islam Gaddafi, filho do deposto líder líbio. Em fevereiro, um imóvel do cineasta Guy Ritchie, no centro da capital, havia sido tomado por pessoas que disseram ter a intenção de criar uma escola gratuita para ensinar a ler tarô, ocupar imóveis e andar nos transportes públicos sem pagar.
Os regulamentos propostos criminalizariam a invasão e a ocupação de moradias, e acelerariam os mecanismos de despejo. Atualmente, é crime ocupar uma casa onde haja moradores vivendo ou prestes a se mudar. Mas invadir um imóvel comercial vazio é uma infração civil, e só uma ordem judicial pode autorizar o desalojamento dos invasores.
Ativistas habitacionais estimam haver 762 mil imóveis abandonados e vazios no Reino Unido, que seriam na verdade beneficiados por terem ocupantes. E, como o número de pessoas sem-teto deve crescer nos próximos anos, acompanhando cortes profundos nas verbas de auxílio-moradia, os ativistas dizem que faria sentido dar casas sem gente a gente sem casa.
Keithy Robin, artista e empreiteiro que atua como voluntário na entidade londrina Serviço de Assessoria para Squatters, que compila listas de imóveis disponíveis para ocupação, diz que criminalizar essa prática permitirá que proprietários inescrupulosos expulsem inquilinos vulneráveis -sem contrato de locação por escrito, por exemplo-, ao alegarem falsamente que eles na verdade são "squatters".
O próprio Robin, 55, é um "squatter". Há 18 meses, ele e um grupo de ativistas ambientais ocuparam em Sipson, aldeia próxima ao aeroporto de Heathrow, um terreno abandonado de meio hectare que havia sido destinado ao uso agrícola, mas que vinha servindo ilegalmente como desmanche de automóveis.
O grupo tirou de lá 27 toneladas de autopeça e de terra contaminada, e começou a cultivar verduras e legumes que são partilhados com a comunidade. Os "squatters" reformaram estufas, instalaram geradores solares e montaram aulas de arte.
Os donos do terreno, que já levaram várias multas por uso irregular da propriedade, foram à Justiça para tentar reaver o imóvel, mas os vizinhos preferem os "squatters". A polícia diz que a criminalidade na região caiu por mais da metade desde a chegada do grupo ao local.
"O ambiente lá agora está limpo, e os vizinhos, incluindo uma creche, são muito gratos", escreveu recentemente Linda McCutcheon, presidente da associação de moradores local, numa carta em apoio aos "squatters".
Mas essas histórias tendem a ficar abafadas por reportagens sobre ocupações abusivas. Chima conhece alguns casos desse tipo. Na zona leste de Londres, pintores terminaram de pintar uma casa e anunciaram à dona: "Não vamos embora".
Em outro incidente, um corretor imobiliário saiu às pressas de um apartamento que estava exibindo a potenciais clientes, quando alguém gritou que o carro dele estava sendo guinchado. Ao tentar voltar, descobriu que os (falsos) candidatos a inquilinos haviam se apropriado do local.
Por outro lado, disse Chima, ele recentemente ajudou uma família que vivia desde a década de 1990 em uma casa abandonada em Whitechapel, no leste de Londres, e que aproveitou as atuais leis para alegar usucapião e garantir a posse da propriedade.
"Eles trocaram as janelas, consertaram o telhado e estavam pagando as contas de luz", contou. "E, durante 13 anos, os proprietários nunca notaram."



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