São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

Aliança de um casal estranho

Um Sarkozy mais agressivo; um Obama cauteloso

MARK LANDLER

WASHINGTON - Há muito tempo, ele é chamado na França de "Sarko, l'Américain". Mas foi necessário um presidente dos EUA e uma ameaça de massacre na Líbia para permitir que o presidente Nicolas Sarkozy revelasse de verdade o seu "americano interior". Ao propor ação militar contra o regime de Muammar Gaddafi, ao reconhecer os rebeldes como governo legítimo da Liba e ao se mostrar disposto a armá-los, Sarkozy agiu cabalmente como um líder mundial arrogante.
Sarkozy foi providencial também para Obama, mas sob outro aspecto. Ao colocar a França tão na dianteira, ele deu credibilidade à tese de Obama de que a Líbia é um modelo de cooperação multilateral, e não apenas o terceiro país muçulmano a entrar em guerra contra os EUA em uma década. Empurrado relutantemente para o conflito por causa dos apelos urgentes de líderes europeus e árabes, Obama conseguiu soar quase europeu em sua retórica.
Trata-se de uma improvável rotina geopolítica, envolvendo dois homens que assumiram o risco de desafiar a sabedoria convencional em Paris e Washington. Mas essa rotina também tem implicações mais amplas, pois pressagia um mundo no qual os EUA, sobrecarregados militarmente e esgotados do ponto de vista fiscal, já não podem se dar ao luxo de serem sozinhos a polícia do mundo.
"Seria tentador dizer que Sarkozy, o americano, está encontrando Obama, o europeu, mas seria errado", disse Dominique Moïsi, fundador do Instituto Francês de Relações Internacionais. Para esses dois líderes tão diferentes, "esse é um casamento de conveniências", afirmou.
Quando o então candidato Obama se apresentou aos europeus, num discurso em julho de 2008 em Berlim, descreveu-se como um "cidadão do mundo". A fala, no ocaso do governo de George W. Bush, se tornou memorável por citar os "ônus da cidadania global". Sarkozy, por sua vez, nunca escondeu sua admiração por Washington. Em 2009, ele reintegrou a França à estrutura de comando da Otan, uma medida principalmente simbólica, mas que o ajudou a aprovar a operação da aliança na Líbia.
Em 2003, às vésperas da guerra do Iraque, o chanceler francês, Dominique de Villepin, declarou que a recusa da França em apoiar a invasão americana era uma escolha entre "duas visões do mundo" -a força "rápida e preventiva" dos EUA e a diplomacia da França.
Agora foi Sarkozy quem propôs rápida resposta militar para evitar um massacre em Benghazi, na Líbia. Obama resistiu, preocupado de que isso fomentasse uma reação antiamericana no mundo islâmico.
Foi a disposição de Sarkozy e do premiê britânico, David Cameron, em assumirem a liderança na imposição da zona de exclusão aérea que ajudou a alterar a equação para Obama. Isso lhe permitiu anunciar uma intervenção militar juntamente com a promessa de que os EUA recuariam em poucos dias e entregariam as principais operações a uma coalizão liderada pela Otan.
"Os europeus ficam dizendo: 'Estamos preparados para liderar, estamos preparados para liderar'; finalmente encontramos um francês disposto a assumir esse papel", disse Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de planejamento político do Departamento de Estado e, hoje, professora da Universidade Princeton, em Nova Jersey.
Sarkozy vai mal nas pesquisas e corre o risco de ser um presidente de um só mandato. Seus adversários, sobretudo à direita, se aproveitam dos temores franceses com uma leva de refugiados vindos da Líbia e de outros países do norte da África. Seu governo demorou em reagir à revolta na Tunísia, uma ex-colônia francesa, e foi ridicularizado pela acolhida calorosa que dispensava ao déspota deposto daquele país, Zine el Abidine Ben Ali.
Mas Moïsi disse que seria injusto afirmar que Sarkozy se guia apenas por cálculos políticos. Esse presidente também quer ser uma figura histórica, disse o analista, e tem uma visão grandiosa sobre o lugar da França no mundo.
A França já interveio em outra ex-colônia, a Costa do Marfim, onde tropas de paz francesas, operando sob um mandato da ONU, cercaram o palácio presidencial para derrubar o presidente Laurent Gbagbo, que se recusava a deixar o poder após perder uma eleição. Gbagbo foi capturado em 11 de abril.
Para Sarkozy, há riscos enormes em todas essas aventuras. A Líbia pode escorregar para um impasse entre os rebeldes e as forças de Gaddafi. Reconhecer rapidamente os rebeldes como legítimos governantes da Líbia é algo que pode sair pela culatra, dado o pouco que o Ocidente sabe a respeito deles. Sarkozy poderá enfrentar a ira dos eleitores caso esses entendam que os Estados Unidos transferiram um ônus pesado demais para a França.
Há perigos para Obama também. Críticos no Congresso se queixam de que ele lançou os EUA numa missão com objetivos mal definidos.
Acima de tudo, esses dois homens encarnam uma contradição: os europeus ficam maravilhados com um presidente americano que precisa ser arrastado para um conflito; os americanos, com uma lembrança vívida do Iraque, não sabem como interpretar um francês guerreiro.


Texto Anterior: Os egípcios perdem confiança no governo militar
Próximo Texto: Diário da Cidade do México: Beijos como indicador econômico

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.