São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2011

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Mercado negro de meteoros

O lado bom desse comércio: meteorito para estudar

Por WILLIAM J. BROAD

Com a descoberta de mais meteoritos nos últimos anos, o interesse por eles disparou, e um mercado ilegal floresceu -para desespero de pessoas que desejam estudá-los e de países que os consideram tesouros nacionais.
"É um mercado negro", disse o geólogo Ralph Harvey, que comanda a busca dos EUA por meteoritos na Antártida. "É tão organizado quanto o tráfico de qualquer droga e tão ilegal quanto."
O caso de uma cratera deixada por meteoritos no sul do Egito ilustra bem o apetite voraz por novos fragmentos. Quando os cientistas pareciam prestes a descobrir ali as peças de um antigo quebra-cabeça, ladrões saquearam o local, e o caos político no Egito parece garantir que nenhum cientista voltará tão cedo à região.
Em junho de 2008, o mineralogista italiano Vincenzo de Michele, com experiência de quase duas décadas explorando o deserto egípcio, vasculhava a região no Google Earth quando viu algo incomum.
Contou a Mario di Martino, do Instituto Nacional Italiano para Astrofísica, em Turim, e os dois formaram uma expedição que investigou o local em fevereiro de 2009. A área remota, que a equipe batizou de Gebel Kamil, em alusão a uma montanha próxima, estava crivada de meteoritos de ferro -mais de 5.000 deles.
Os cientistas assinaram uma notificação de descoberta e a colocaram em uma garrafa no fundo da cratera. Era a primeira cratera feita por um meteorito a ser achada no Egito -sua boca tem 46 metros de diâmetro-, e a equipe prometeu mantê-la em sigilo.
Mas uma segunda expedição, em fevereiro de 2010, constatou que a garrafa tinha desaparecido. O segredo fora revelado. Meses depois, em junho, meteoritos da cratera estavam à venda em uma exposição em Ensisheim, na França. Numa resenha, a Associação Internacional de Colecionadores de Meteoritos disse que se tratava de "uma das mais fascinantes novas descobertas em ferro" no mundo todo.
No Egito e em outros lugares, dizem os cientistas, é ilegal retirar meteoritos de um país sem autorização formal. No entanto, os meteoritos aparecem por todo lado. No Star-bits.com, um dos muitos sites que vendem meteoritos, dez fragmentos ricos em oxidação são apresentados como extraídos de Gebel Kamil. O mais caro deles -uma pedra de 900 gramas, que mal cobre os dedos da mão de um homem- custa US$ 1.600.
Eric Olson, do Star-bits, defendeu seu direito de vendê-los. "Eu não os comprei dos egípcios", afirmou. "Eu os comprei de segunda e terceira mãos." Os cientistas dizem ter relativamente poucas amostras para estudar em comparação ao material comercializado ilicitamente. Harvey disse que o saque desenfreado e os preços exorbitantes para os fragmentos "reduzem drasticamente (o número de cientistas) que pode obter amostras para pesquisas".
O mercado negro explodiu principalmente por causa de uma onda de novos meteoritos vindos do norte da África e da Península Arábica. A partir do final da década de 1980, exploradores e nômades descobriram que os meteoritos escuros se destacavam em meio a áreas planas cobertas apenas por areia e seixos. E o ar seco do deserto ajuda a preservar as rochas vindas do espaço. O ritmo da coleta cresceu desde que exploradores encontraram na Líbia meteoritos raros da Lua e de Marte. A associação de colecionadores, fundada em 2004 em Nevada, agora tem centenas de membros no mundo todo. E, embora alguns comerciantes façam exportações legítimas, muitos outros estão no mercado negro.
Um comprador expressou remorso depois de ler sobre a angústia dos cientistas a esse respeito. "Estou muito envergonhado", escreveu ele num blog. "Certamente, sou parte do problema."
Ainda assim, muitos colecionadores defendem que seu hobby é vantajoso para os cientistas, alegando que o mercado está gerando muitas descobertas e oportunidades. Os amadores, muitas vezes, recorrem a especialistas para análise e autenticação e, em troca, partilham o seu material extraterrestre.
"Os cientistas não têm tempo para caçar os seus próprios meteoritos. Alguém precisa fazer por eles", disse Anne Black, presidente da associação de colecionadores. "É questão de bom senso."
Até mesmo alguns cientistas aplaudem o novo mercado. "É benéfico devido à enorme diversidade de meteoritos previamente desconhecidos e inacessíveis", disse Carl Agee, diretor do Instituto de Meteorítica da Universidade do Novo México.
Para os cientistas, os meteoritos podem conter explicações sobre o bombardeio cósmico e o desenvolvimento do sistema solar e possíveis pistas para a existência de vida extraterrestre. Quanto à cratera de Gebel Kamil, o italiano Di Martino disse ser inviável impedir saqueadores de terem acesso a riquezas do outro mundo.
"Considerando a situação social, política e geográfica" do sudoeste do Egito, afirmou, "será completamente inútil proteger a área" -a menos que as autoridades coloquem lá "uma guarnição permanente dos 'marines' e/ou um campo minado".
Di Martino disse que a atração para os colecionadores é simplesmente o prazer de possuir uma descoberta recente. Havendo um novo meteorito, "os colecionadores gostam de ter um pedaço".


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