São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Parcimônia poderá atrapalhar recuperação


“As pessoas veem que não podem acumular tudo o que querem”

Por CATHERINE RAMPELL

A crise econômica está provocando uma volta possivelmente duradoura à cultura da parcimônia. Não que de repente os EUA tenham ficado financeiramente mais virtuosos ou aprendido com os erros da sua gastança. O que ocorre, dizem os especialistas, é que os norte-americanos talvez não tenham escolha senão seguir poupando.
A parcimônia pode parecer saudável para uma classe consumidora conhecida por gastar mais do que ganha, mas há um lado ruim: as empresas norte-americanas se tornaram tão dependentes dos consumidores que qualquer recuo repercute sobre toda a economia.
Some-se o declínio do consumo ao já previsto fim dos estímulos governamentais, e pode ocorrer um doloroso reajuste na demanda por bens e serviços, dizem os economistas. O efeito seria sentido no mundo inteiro, pois muitas economias em desenvolvimento também dependem do comportamento gastador dos EUA.
Temendo o desemprego e assustados com a desvalorização de ações e imóveis, os norte-americanos estão economizando mais do que antes da recessão. Em 2008, a taxa de poupança —percentual não gasto da renda líquida— subiu de praticamente zero para mais de 4%.
Isso acontece em quase toda recessão, e o efeito normalmente é transitório. Quando Parcimônia pode dificultar recuperação a economia se recupera, os norte-americanos voltam a gastar mais e a poupar menos. Nos últimos 30 anos, a taxa de poupança flutuou de mais de 14% na década de 1970 para -2,7% em 2005, o que significa que os norte-americanos estavam gastando mais do que ganhavam.
Desta vez espera-se que seja diferente, porque as forças que permitiram e até estimularam os consumidores a poupar menos e gastar mais —crédito fácil e disparada do valor dos bens— podem ser permanentemente alteradas pela crise que jogou a economia na recessão.
“Espero que a taxa de poupança acabe ao final dessa recessão estando maior do que no começo”, disse Jonathan Parker, professor de finanças da Escola de Administração Kellogg, da Universidade Northwestern (Illinois). “É difícil ver como não estaria.”
Aumentos contínuos nas poupanças domésticas poderiam levar a um difícil período de reestruturação para a economia dos EUA, onde os gastos com consumo representam 70% do PIB.
“Se os norte-americanos fizerem cortes, como já quase têm de fazer, o que irá substituir essa fonte de demanda?”, perguntou William Gale, diretor do programa de estudos econômicos do Instituto Brookings, entidade de pesquisas independente.
“A resposta fácil é o consumidor chinês”, disse. Mas, ao contrário dos norte-americanos, os chineses poupam cerca de 25% do que ganham. “Podemos fazer cortes mais rapidamente do que eles se expandem para esse espaço, então poderia haver uma parada.”
Por que a tendência a poupar mais duraria além da recessão?
Críticos como David Blankenhorn, presidente do Instituto para os Valores Americanos, esperam que a introspecção a respeito da “cultura do consumo” dos EUA desperte os norte-americanos para as virtudes da parcimônia.
Mas muitos economistas acreditam que os consumidores vão mudar os seus hábitos por razões mais pragmáticas. Por causa do estouro da bolha imobiliária e das Bolsas, os consumidores perderam uma grande fatia do seu patrimônio líquido e, para ressuscitar suas contas previdenciárias ou sua poupança, eles terão de economizar uma parte maior dos seus contracheques —a não ser que os mercados voltem a subir.
Formas de crédito fácil, como as hipotecas sem entrada, também podem não voltar, seja por causa de regras do governo ou porque os bancos não irão mais se aventurar em empréstimos tão arriscados. Isso significa que, se os norte-americanos quiserem comprar uma casa, terão de poupar mais e emprestar menos.
Os consumidores passaram a pensar de modo um pouco diferente a respeito de seus orçamentos. Recente pesquisa do instituto Pew mostrou que muito mais gente começou a ver produtos como micro-ondas como itens de luxo, e não mais necessidades.
Tais atitudes sugerem que os varejistas terão de alterar suas estratégias, disse J. Walker Smith, vice-presidente-executivo da consultoria de marketing e pesquisa Futures Company. “As pessoas estão percebendo que não podem mais acumular tudo o que querem e terão de priorizar mais”, disse ele. “Isso pode ser difícil para muitas marcas —descobrir não só como ser levada em consideração pelos consumidores, mas como ser colocada no topo da lista deles.”
Apesar do impacto imediato para a economia, o aumento da poupança pessoal pode ser positivo a longo prazo, segundo analistas. Mais poupança gera mais investimento, o que promove o crescimento, o que leva a um melhor padrão de vida.
Em nível familiar, críticos sociais, economistas e até muitos consumidores parecem concordar que um conservadorismo financeiro forçado pode vir para o bem.
Kenny Tran, morador de Santa Ana (Califórnia), por exemplo, disse estar preocupado em poupar o suficiente para comprar sua primeira casa —ele e a noiva separam cerca de US$ 800 por mês há um ano e meio—, mas não lamenta não ter comprado um imóvel quando o crédito era mais fácil e poupar era menos prioritário.
“Há um par de anos teria sido mais fácil para nós obtermos um empréstimo”, disse Tran, apesar do fato de que a renda conjunta do casal era mais baixa. “Mas se tivéssemos tomado um empréstimo e uma casa há um par de anos, provavelmente acabaríamos despejados agora.”


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