São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Butão não só busca a felicidade como também a mede

Manish Swarup/Associated Press
Crianças butanesas brincam em festival; governo local criou modelo matemático para guiar sua política da felicidade

Por SETH MYDANS

TIMFU, Butão
Se o resto do mundo não consegue se acertar nestes tempos infelizes, o minúsculo reino do Butão, no topo do Himalaia, diz estar preparando uma resposta.
“Cobiça, a insaciável cobiça humana”, disse o primeiro-ministro Jigme Thinley, descrevendo o que considera ser a causa da atual catástrofe econômica no mundo além das montanhas nevadas do país. “O que precisamos é de mudança”, afirmou ele na fortaleza caiada onde despacha. “Precisamos pensar na felicidade nacional bruta (FNB).”
A noção de felicidade nacional bruta foi a inspiração do ex-rei Jigme Singye Wangchuck, na década de 1970, como uma alternativa ao produto interno bruto (PIB).
Agora, os butaneses estão refinando a filosofia do país para criar o que veem como uma nova ciência política, e ela amadureceu para virar política oficial justo quando o mundo pode precisar dela, disse Kinley Dorji, secretário de Informação e Comunicações.
“Você vê no que dá uma completa dedicação ao desenvolvimento econômico”, disse ele, referindo-se à crise global. “As sociedades industrializadas decidiram agora que o PIB é uma promessa violada.”
Pela nova Constituição, adotada no ano passado, os programas do governo —da agricultura ao transporte e ao comércio exterior— devem ser avaliados não pelos benefícios econômicos que podem oferecer, mas pela felicidade que produzem.
A meta, explicou o premiê, não é a felicidade em si, um conceito que cada pessoa tem de definir por si só. O que o governo pretende é criar condições para o que ele chamou, numa versão atualizada da Declaração da Independência Americana, de “a busca pela felicidade nacional bruta”.
Os butaneses começaram com uma experiência dentro da experiência, aceitando a renúncia do popular rei como monarca absoluto e realizando a sua primeira eleição democrática, há um ano. A mudança é parte da obtenção da felicidade nacional bruta, disse Dorji. “Elas repercutem bem, democracia e FNB. Ambos depositam a responsabilidade sobre o indivíduo. A felicidade é uma busca individual, e a democracia é o empoderamento do indivíduo.”
Foi um raro caso de um monarca afastando-se unilateralmente do poder.
Os butaneses admitem que, para o mundo levar a sério a felicidade nacional bruta, são necessários padrões e definições que possam ser quantificados pelos grandes atores da economia mundial. “Quando o Butão disse: ‘Ok, aqui nós temos a FNB’, o mundo desenvolvido, o Banco Mundial e o FMI e assim por diante perguntaram: ‘Como vocês a medem?’”, contou Dorji.
Então os butaneses apresentaram um intrincado modelo de bem-estar com quatro pilares, nove domínios e 72 indicadores de felicidade. Especificamente, o governo determinou que os quatro pilares de uma sociedade feliz envolvem economia, cultura, meio ambiente e bom governo.
Há também nove domínios: bem-estar psicológico, ecologia, saúde, educação, cultura, padrões de vida, uso do tempo, vitalidade comunitária e bom governo, cada um com seu índice ponderado de FNB.
Tudo isso deve ser analisado usando 72 indicadores. Sob o domínio do bem-estar psicológico, por exemplo, os indicadores incluem as frequências de oração e meditação e os sentimentos de egoísmo, ciúme, calma, compaixão, generosidade e frustração, além de pensamentos suicidas.
“Estamos até dividindo o tempo do dia: quanto tempo uma pessoa passa com a família, no trabalho e assim por diante”, disse Dorji. Foram criadas inclusive fórmulas matemáticas para reduzir a felicidade aos seus menores componentes. A cada dois anos, esses indicadores devem ser reavaliados em um questionário nacional, disse Karma Tshiteem, secretário da Comissão da Felicidade Nacional Bruta.
O Butão está contrapondo esses pilares, domínios e indicadores aos 48 canais de Hollywood e Bollywood que invadiram o país desde que a TV foi permitida, há uma década. “Até junho de 1999, se você perguntasse a qualquer jovem quem é o seu herói, a resposta inevitável era ‘o rei’”, disse Dorji. “Depois era David Beckham, e agora é 50 Cent, o rapper. Os pais estão impotentes.”
Então, se a FNB pode conter o segredo da felicidade para as pessoas que sofrem com a crise no exterior, ela oferece algo mais urgente nessa cultura intocada. “A história do Butão é, em uma palavra, sobrevivência”, disse Dorji. “A felicidade nacional bruta é sobrevivência: como conter uma ameaça à sobrevivência.”


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