São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2010

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Um filme à beira de um novo musical

O cult kitsch de Almodóvar chega à Broadway

Por PATRICK HEALY
Em "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", o novo musical da Broadway sobre amor e abandono na Madri dos anos 80, o gazpacho está cheio de Valium, e os namorados são grossos e terroristas.
"Não consigo explicar/por que sigo essa lua lunática/quando ela chama meu coração louco", cantava Patti LuPone num ensaio, interpretando uma esposa rejeitada que acaba de passar 19 anos num hospício.
Na sua primeira incursão criativa pela Broadway, Pedro Almodóvar -diretor do filme espanhol homônimo, de 1988, que inspirou o musical -acabou se envolvendo profundamente com o espetáculo.
"Pedro pensa de um jeito que ele chamou de 'antipático', um jeito de lidar com coisas odiosas", disse Bartlett Sher, diretor do musical.
O espetáculo de US$ 5 milhões é uma raridade: um musical novo, baseado num filme estrangeiro de duas décadas atrás, provavelmente pouco conhecido entre os turistas que sustentam as bilheterias da Broadway.
E ele estreia em Nova York sem o tradicional teste em outra cidade. As exigências técnicas da produção -como as copiosas projeções mostrando a arquitetura de Madri e outras imagens- obrigaram o Teatro Lincoln Center a adiar duas vezes os ensaios abertos.
"Nunca estreei um grande espetáculo 'a frio' em Nova York antes, e realmente não posso colocar em palavras como isso é intenso", disse Sherie Rene Scott, atriz duas vezes indicada ao Tony, que interpreta a protagonista Pepa.
No começo da pré-produção, Almodóvar chamou a equipe criativa ao seu hotel para todos assistirem novamente ao filme, quadro a quadro. Durante quatro horas, com a ajuda de um intérprete, o cineasta descreveu as escolhas envolvendo cada cena, cada cor, até mesmo cada vestido. O propósito da reunião não era ditar mudanças. Ele queria que o grupo se empenhasse em buscar uma maior autenticidade na linguagem e nas ações das mulheres espanholas modernas tal qual Almodóvar as conheceu.
"Não sabíamos então que Pedro tem um ponto de vista que guia sua vida: o mundo é um lugar perfeito, exceto por uma coisa -os homens abandonam e traem as mulheres", disse Sher. "Mas ele tem alergia ao sentimento direto, e saber disso nos ajudou a pensar de forma menos previsível na narrativa."
O compositor e letrista David Yazbek disse que inicialmente relutou em participar do musical, que associava a "mulheres histéricas batendo as mãos ou correndo como se estivessem com o cabelo pegando fogo".
Embora isso às vezes apareça em "Mulheres à Beira", o filme, Yazbek disse ter descoberto também "uma verdadeira profundidade emocional entre essas mulheres que se sentem perdidas sem homens, mas que também tiveram uma chance na Espanha pós-Franco de assumirem o controle das suas vidas pela primeira vez".
As origens do musical remontam a 2005, logo depois da estreia de outra comédia adaptada do cinema para o palco, "Os Safados". Jeffrey Lane, seu autor estreante, e Yazbek começaram a receber ofertas para fazerem novas parcerias.
"David e eu sabíamos que trabalhamos melhor quando estamos assustados", disse Lane. "Achamos que se tínhamos de adaptar algo, deveríamos olhar para os filmes europeus."
Almodóvar disse, por e-mail, que durante muito tempo imaginou "Mulheres à Beira" como um musical, mas não o realizou antes "por preguiça".
"A estrutura é muito teatral -eu a escrevi assim deliberadamente, e peguei a comédia maluca americana como referência", disse Almodóvar. "Eu escrevi o roteiro do filme pensando que ele pareceria a adaptação cinematográfica de uma peça não-existente."
Lane convocou Sher, e o espetáculo foi ajustado ao longo de 18 meses, durante três oficinas intensivas, todas com Almodóvar. Ele afirmou ter concedido "toda a liberdade que eu gostaria para mim mesmo".
Os criadores foram além do filme, dando enredos para personagens e deixando os diálogos mais afiados.
Num ensaio no mês passado, LuPone soltou um "Vamos lá, meninas!" ao chamar Scott e outras atrizes para começarem uma canção. Embora não usassem os trajes em tons pastel nem os saltos altíssimos do figurino, elas apresentaram um quadro notável: um grande musical, liderado por um conjunto de estrelas femininas do teatro.
Nesse momento, cantando que "é um assassinato no penteado quando a cabeça está embaixo d'água", elas explodiram num coro de sorrisos -e pareciam muito longe de um ataque de nervos.


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