São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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WASHINGTON EM TRANSIÇÃO

Um novo dia

Damon Winter/The New York Times


ROGER COHEN
INTELIGÊNCIA

Quando barack Hussein Obama assumir o cargo de 44? presidente dos EUA -e seu primeiro líder afro-americano- já terá conquistado algo notável: a restauração do mito americano da possibilidade.
Em uma época sombria, com o lustro dos EUA atenuado e o país enfrentando a pior crise econômica desde a década de 1930, esse simbolismo é tão importante quanto o aumento do desemprego e as duas guerras que confrontam Obama. Com seu pai queniano, sua mãe americana e seu avô muçulmano, Obama fala para um mundo em fluxo. Da Malásia ao México, ele parece familiar. Parece mais o sujeito da lojinha da esquina do que os caras nas notas de dólares. Sua ascensão declara para todos que ainda não há limite para o que se pode alcançar nos EUA.
Isso é importante porque as esperanças globais ainda estão voltadas à ideia americana. China e Índia podem estar em alta, mas sua ascensão não é provocada por uma nova mensagem magnética. A esperança nos EUA não é ilógica. O país é uma potência transformacional ou é nada. Como observou Richard Hofstadter, "tem sido nosso destino como nação não ter uma ideologia, mas ser uma".
Para mim, os EUA em seu melhor aspecto são a superação da história, o deixar para trás guerras e barreiras, em direção a um futuro livre da cruel espiral da memória que repetidamente mergulha o Oriente Médio em guerras de retribuição. É a absorção de uma identidade em algo maior -a ideia, como colocou Obama, de que "feitos de muitos, somos na verdade um". É um lugar melhor do que a terra de sombras do presidente George W. Bush, onde um líder depositário das esperanças do mundo não consegue encontrar em seu interior uma única frase para levantar o espírito.
A linguagem inspira, e Obama a usa melhor que qualquer presidente recente. Não acho que as palavras "guerra ao terror", que na verdade é uma guerra sem fim, saiam com frequência de seus lábios. A frase continha as sementes de Guantánamo e de uma presidência imperialista: Obama quer encerrar esses capítulos. O paradigma "conosco ou contra nós" está morto.
Obama passou apenas dez anos de sua vida adulta no mundo dividido da Guerra Fria, o dobro disso em um mundo pós-Muro de Berlim de crescente interconexão. Espero que Obama seja o primeiro líder dos EUA a governar com um forte sentido dos diálogos globais que tornam a sociabilidade on-line uma poderosa força política.
Os problemas que ele enfrenta são enormes. Raramente tanta esperança encontrou tanta ansiedade. Qual prevalecerá vai depender da qualidade da liderança de Obama e de sua capacidade de aprender.
Com 5,5 milhões de residências à venda nos EUA, os americanos afogados em dívidas e as poupanças para aposentadoria ligadas a ações americanas dizimadas, a recuperação certamente será lenta. O índice de desemprego poderá atingir 10% este ano. Duas guerras, no Iraque e no Afeganistão, não vão acabar amanhã. Gaza levou o Oriente Médio a um ponto de fervura mais uma vez, e no Irã as centrífugas para enriquecer urânio continuam girando.
Diante de tudo isso, Obama terá de fazer mais do que expor novas ideias. No início de seu mandato, ele terá de apresentar, aos americanos e ao mundo, um novo paradigma, algo que vá além da guerra ao terror e atraia os parceiros de uma América reimaginada, menos poderosa mas ainda indispensável, a um esforço comum para a maior prosperidade e segurança. Ele poderá chamar o discurso de "A promessa do século 21".
Está mais que na hora de um novo começo.


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