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Na maior parte do mundo, um celular é o bastante
Aparelho está cada vez mais difundido nos países em desenvolvimento
Por ANAND GIRIDHARADAS
E se o iPad não for o próximo grande acontecimento global? E se o próximo grande
acontecimento for pequeno, barato e não americano?
Os EUA entraram recentemente em um frenesi com o lançamento do iPad. Ao mesmo
tempo, um futuro diferente parece estar se desenrolando em outras partes do
mundo, na tela do telefone celular.
Em meio ao burburinho americano, o florescimento global das inovações no simples
celular passou despercebido. Da Índia à Coreia do Norte e até ao Afeganistão,
pessoas procuram trabalho usando mensagens de texto; contraem e concedem
empréstimos e recebem seus salários por meio de seus celulares e usam os
aparelhinhos como televisores e rádios.
E muitos fazem tudo isso gastando pouco. Na Índia, a Reliance Communications
vende celulares por menos de US$ 25, oferecendo telefonemas em todo o país por
menos de um centavo de dólar por minuto, SMSs por um centavo e nenhuma cobrança
mensal -e acumula lucros gordos fazendo isso. Compare-se essa realidade à dos
compradores de iPad nos EUA, que pagam US$ 499 pela versão básica, que podem
também possuir um computador de mais de US$ 1.000 e um celular inteligente de
mais de US$ 100, além de pagar US$ 100 ou mais por mês para conectar esses
aparelhos à internet.
Não é a primeira vez em que os EUA e boa parte do mundo se movem por rumos
diferentes. Criando para uma rede de banda cada vez mais larga, os inovadores
dos EUA tendem a propor aparelhos cada vez mais cheios de detalhes, mais caros e
que conferem mais status. Enquanto isso, seus colegas nos países em
desenvolvimento estão inovando para encontrar cada vez mais utilizações para
telefones celulares básicos e baratos.
Os EUA não compartilham o namoro do mundo com o celular. Um relatório recente do
Fórum Econômico Mundial e da escola francesa de administração Insead concluiu
que os americanos estão atrás de 71 outros países em seu nível de penetração da
telefonia celular, apesar de liderarem em outras áreas de conectividade.
Mas o celular reina do Quênia à Colômbia e à África do Sul -lugares que
construíram torres de telefonia celular exatamente para evitar a despesa de
lançar as redes conectadas por fios. Em lugares como esses, os celulares estão
se tornando a tecnologia verdadeiramente universal.
Segundo a União Internacional de Telecomunicação, uma associação comercial, o
número de assinaturas de telefonia celular em todo o mundo deve passar de 5
bilhões neste ano. Isso significará que mais pessoas terão acesso ao celular do
que os que têm acesso a banheiros higiênicos, segundo a ONU.
E, pelo fato de alcançar tanta gente, de estar sempre com você, de ser barato e
fácil de consertar, o celular abriu uma nova fronteira de inovação global.
A Babajob, em Bangalore (Índia), e a Souktel, nos territórios palestinos,
oferecem serviços de busca de empregos via SMS. Na África, o celular está dando
origem a um novo paradigma em termos de dinheiro. Cartões tornaram-se o
instrumento reinante de pagamento no Ocidente, mas projetos como PesaPal e M-
Pesa, no Quênia, estão trabalhando para fazer do celular o instrumento principal
das finanças pessoais. Com o M-Pesa, é possível converter dinheiro vivo em
dinheiro no celular na quitanda da esquina, e esse dinheiro pode ser transferido
a qualquer pessoa com a ajuda de um telefone.
Em muitos lugares, o celular também passou a ocupar lugar central na vida
comunitária. Na África, igrejas urbanas gravam sermões com celulares e então os
transmitem a vilarejos. No Irã e em Moldova, telefones ajudaram a organizar
levantes populares contra governos autoritários. O celular é usado na Índia no
monitoramento eleitoral por cidadãos e para transmitir aos eleitores, via SMS,
informações sobre a renda e os antecedentes criminais dos candidatos.
Tudo isso sugere a presença de um abismo de inovação entre as sociedades mais
ricas e as mais pobres do mundo -não tanto no desenho dos aparelhos quanto no
uso que é feito deles, por pessoas que já são consumidoras mas ainda não estão
ricas, dotadas de um simples telefone celular e da percepção de que menos é
mais.
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