São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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LENTE

Fabricando Memórias

“O homem de consciência limpa provavelmente tem memória fraca”, diz um velho adágio. De fato, a maioria das pessoas é ocasionalmente perseguida por lembranças de perdas, fracassos e lapsos do passado que vêm das profundezas da memória aos pensamentos presentes. Não seria um alívio se pudéssemos simplesmente expurgar de nossas mentes todas as gafes embaraçosas ou, mais seriamente, os grandes traumas? Pode parecer tentador. Mas sem memórias, mesmo as ruins, quem exatamente somos nós?
Reportagens recentes do “New York Times” exploram a natureza das memórias, como elas mudam com o tempo, como moldam a identidade e como seria a vida sem elas. A ideia de extirpar as memórias negativas não é mais tão absurda. Como relatou Benedict Carey no “Times”, pesquisadores universitários de Nova York demonstraram em ratos que uma droga pode bloquear uma substância crítica para a memória. Se aplicada a áreas específicas do cérebro humano, ela poderia apagar medos crônicos ou até vícios.
O perigo, escreveu Carey, seria se as pessoas também perdessem “outras memórias pessoais importantes de algum modo relacionadas”.
Uma história de advertência é a vida de Henry Molaison, que morreu no final do ano passado em um asilo nos EUA aos 82 anos. Quando Molaison tinha 27, médicos operaram seu cérebro para aliviar males causados por uma lesão no crânio. Mas a cirurgia o deixou com amnésia profunda. Segundo o obituário do “Times”, “nos 55 anos seguintes, cada vez que ele encontrou um amigo ou fez uma refeição, foi como se fosse a primeira vez”.
Apesar de ele ter se tornado objeto de intenso interesse científico pelo resto da vida, a mudança foi profunda.“Molaison perdeu uma parte crítica de sua identidade”, explicou o neurocientista Thomas Carew.
Mas para os que passam pela vida com más memórias, há boas notícias. Tomografias indicam que, conforme as pessoas envelhecem, a parte do cérebro dedicada às lembranças negativas muda. Nos jovens, essas memórias são processadas em um núcleo de tecido cerebral dedicado aos sentimentos, mas em pessoas mais velhas elas surgem de um centro de pensamento racional.
Florin Dolcos, professor de psiquiatria na Universidade de Alberta, no Canadá, disse ao “Times” que em consequência disso as pessoas mais velhas são “mais capazes de controlar essas emoções, e esse controle influencia sua memória sobre informações negativas”.
Filtrar as memórias conforme o tempo passa tem outras vantagens, como relatou John Tierney no “Times”. Estudos revelam que, embora as pessoas possam se sentir mal em curto prazo sobre uma compra cara ou uma viagem no feriado, com o tempo elas se congratulam.
“As pessoas sentem culpa sobre o hedonismo logo depois”, disse o professor de marketing da escola de administração de Columbia Ran Kivetz. “Em algum momento há uma reversão, e o que se acumula é um sentimento melancólico de perder os prazeres da vida.” Portanto, se você estiver tentado a se permitir um grande prazer, não se preocupe sobre como se sentirá na manhã seguinte. Em vez disso, pense na próxima década.


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