São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2011

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EUA se associam ao chamado 'Estado do medo africano'

Por ADAM NOSSITER
MALABO, Guiné Equatorial - No que se trata de violações dos direitos humanos, a Guiné Equatorial é um dos líderes mundiais indiscutíveis. Mas, para o quarto maior exportador de petróleo da África, isso não impediu um amplo envolvimento comercial e diplomático com os Estados Unidos.
As companhias de petróleo americanas investiram bilhões de dólares aqui. Um diplomata americano, usando uma linguagem que enfurece os defensores dos direitos humanos, elogiou a "liderança suave e benigna" do ditador no poder há mais de 30 anos, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, segundo despachos de 2009 divulgados pelo WikiLeaks. E uma importante empreiteira militar americana com fortes ligações no Pentágono tem um contrato de vários milhões de dólares para proteger o país e ajudar a treinar suas forças.
A empresa Military Professional Resources Inc. (MPRI), da Virgínia, liderada por um alto assessor do ex-secretário da Defesa Donald Rumsfeld, trabalha em segurança marítima e treinamento de direitos humanos para as forças policiais de Obiang. Mas a ONU, grupos de direitos humanos e dissidentes locais dizem que a tortura continua sendo praticada sistematicamente pelas autoridades do país.
E, até março, Lanny Davis, o ex-conselheiro especial do presidente Bill Clinton, tinha um contrato de US$ 1 milhão por ano para ajudar Obiang a reformar sua imagem. "Ele se sente muito vulnerável, sem qualquer amigo", disse Davis em entrevista no final do ano passado.
O grupo de direitos civis Freedom House classificou a Guiné Equatorial entre os nove países mais repressivos do mundo -os "Piores dos Piores". Chamou seu governo de "regime altamente corrupto, com um dos piores históricos de direitos humanos na África".
Décadas de repressão e tortura, segundo a ONU, criaram uma cultura do medo nesta ex-colônia espanhola de 670 mil habitantes, o único país que fala espanhol na África.
"Eles nem sequer escondem os instrumentos de tortura", disse Manfred Nowak, o relator especial da ONU sobre tortura até recentemente. "Estavam simplesmente em cima da mesa."
Obiang, que tem 70 anos e é o mais antigo governante da África subsaariana, refutou essas alegações.
"Não temos tortura", ele disse. "As organizações internacionais acusaram nossa polícia de maltratar os prisioneiros. Por isso, contratei a MPRI para treinar nossa polícia, e ela está agindo apropriadamente."
A MPRI é dirigida pelo general aposentado Bantz J. Craddock, ex-comandante supremo aliado na Europa. O Departamento de Estado americano vetou o trabalho da companhia por causa do mau histórico de direitos humanos da Guiné Equatorial, mas o autorizou no governo do presidente Bush, em 2005, entre promessas de reformas, segundo a Human Rights Watch.
Se fosse um treinador da MPRI, disse Nowak, "eu deixaria o país porque sentiria que estava sendo usado. É uma operação de camuflagem".
Os cidadãos suficientemente corajosos para falar sobre o clima político do país brincam às escondidas sobre a Coreia do Norte ser um modelo. "Qualquer policial pode prender qualquer cidadão a qualquer momento", disse Plácido Micó, um advogado que é o único deputado de oposição e foi preso várias vezes. A tortura é "uma coisa comum, corriqueira", disse Micó, lembrando que foi espancado na presença de altas autoridades em 1992.
Mas a Embaixada dos Estados Unidos aqui, segundo os telegramas de 2009, aconselhou que estava "na hora de abandonar uma narrativa moral" sobre a Guiné Equatorial e rejeitou relatos de corrupção.
"As coisas estão claramente melhorando", concluiu o telegrama.
O atual embaixador americano defendeu o governo de Obiang contra as estatísticas do Banco Mundial e dos grupos de direitos humanos, que mostram uma enorme lacuna entre a riqueza em petróleo do país -a maior parte acumulada pela família Obiang- e a pobreza generalizada da população.
"Você pode discutir qualquer uma das estatísticas", disse o embaixador Alberto Fernandez.
As empresas Chevron, Marathon Oil e Noble Energy têm interesses substanciais na Guiné Equatorial. As chamas dos poços de petróleo salpicam o mar ao redor da ilha de Bioko, onde fica a capital, Malabo. Em renda per capita, os cidadãos da Guiné Equatorial são quase tão ricos quanto os da Espanha e os da Itália, graças ao petróleo. Na realidade, quase 77% da população vive abaixo da linha de pobreza, segundo a Human Rights Watch.
"Ninguém aqui quer falar porque todos têm medo", disse Abaga Barril, um membro do partido de oposição. "Todo mundo se cala."


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