São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2011

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Turista dos EUA resulta em dinheiro para Cuba

Alguns dizem que a política de Obama ajuda irmãos Castro

Por VICTORIA BURNETT
HAVANA - Alejandrina Hernández pôs na mala apenas roupas leves e uma nécessaire com maquiagens quando viajou de Miami a Havana nesta primavera americana. Como sempre, reduziu sua bagagem ao mínimo. Somente a sua bagagem. Ela trouxe mais de 45 quilos de alimentos, roupas e remédios para seus familiares e outros cubanos cujos parentes residentes nos EUA lhe pagaram US$ 16 por quilo para transportar os presentes.
"Preciso ver minha família, mas essas viagens custam muito caro", falou Hernández, que, nos últimos 18 meses, retornou a Cuba oito vezes para ver seu marido e sua mãe. "Deste jeito, eu consigo mais ou menos cobrir os custos."
Hernández faz parte da grande onda de visitantes cubanos e cubano-americanos que chegam a Cuba, vindos dos Estados Unidos, desde que, em 2009, o presidente Obama revogou as restrições às viagens de pessoas que têm familiares na ilha.
Economistas e agentes de viagens estimam que, neste ano, 400 mil passageiros vão voar dos EUA para Cuba, quase quatro vezes o número de 2008 -e mais do que em qualquer momento desde que os EUA cortaram relações com a ilha, cerca de 50 anos atrás. Os visitantes trazem dinheiro vivo e fardos enormes de produtos que o embargo e as dificuldades econômicas de Cuba deixaram fora de alcance dos cubanos, desde o básico como leite em pó, cubos de caldo de carne e vitaminas até o luxo como BlackBerrys. Boa parte de tudo isso vai parar nas salas e cozinhas dos seus parentes.
Mas o dinheiro e os bens também alimentam o nascente setor privado cubano, a frágil espinha dorsal do plano do presidente Raúl Castro para revigorar a economia debilitada do país. Muitos empreendedores dizem que recebem capital e materiais de familiares no exterior -coisas como contas coloridas de Miami para fazer enfeites religiosos, pimenteiras para mesas de restaurantes ou cera para depilação.
Os adversários do aumento do contato com Cuba dizem que aberturas desse tipo simplesmente ajudam a manter o governo Castro no poder. O senador republicano da Flórida Marco Rubio, cujos pais são exilados cubanos, descreve as viagens e remessas feitas por cubano-americanos como "possivelmente a maior fonte isolada de receita para o governo mais repressor da região".
Em 2004, o presidente George W. Bush limitou as visitas a familiares em Cuba para uma em cada três anos, reduzindo-as em relação ao limite anterior -uma vez ao ano-, mas hoje cubanos e cubano-americanos podem visitar seus familiares na ilha quantas vezes quiserem e lhes enviar qualquer valor em dinheiro.
A administração Obama também reduziu as restrições a viagens de americanos que não sejam de origem cubana. Em março, elevou de três para 11 o número de aeroportos dos quais partem voos diretos para Cuba. Manuel Orozco, especialista do Diálogo Interamericano, um centro de análises políticas, disse que as remessas de dinheiro a Cuba são importantes para as pequenas empresas cubanas. O valor dessas remessas, no ano passado, foi estimado entre US$ 900 milhões e US$ 1,4 bilhão.
Diferentemente daqueles que partiram pouco depois da revolução de 1959 de Fidel Castro, os emigrados mais recentes tendem a manter contato com seus familiares na ilha, trocando notícias e piadas com eles por meio do telefone, do e-mail e das mensagens de texto.
"Isso está ajudando a jogar por terra o mito da separação" entre os cubanos da ilha e a comunidade cubana dos EUA, composta de 1,8 milhão de pessoas, disse Katrin Hansing, professora da City University de Nova York.
Alejandrína Hernández, que tem 50 anos e vive na Flórida há seis anos com seu filho, conta a seu marido e seus amigos sobre os horários de trabalho longos que enfrenta, como camareira de hotel. "Os cubanos se iludem um pouco quanto a como é a vida nos Estados Unidos", disse ela.
Embora sinta saudades de sua família e do cheiro singular do mar de Cuba, Hernández disse que continuará vivendo na Flórida até seu filho completar a faculdade ou até que suas articulações doloridas lhe impeçam de trabalhar, fazendo a ponte aérea entre o trailer em Hialeh onde mora e o apartamento do seu marido. "Metade do meu coração está aqui, e a outra metade está lá", disse ela.


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