São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2011

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Nitrogênio líquido é o segredo de um lanche

Por JOHN TIERNEY

Pode a tecnologia criar hambúrguer melhor? Dez anos atrás, o chef francês Daniel Boulud apresentou o hambúrguer no qual especialistas em gastronomia atribuem o início do renascimento desse lanche.
Um fato curioso é que a iguaria criada por Boulud foi fruto do movimento anti-hambúrguer na França, onde manifestantes viraram heróis ao depredarem um McDonald's. Na época, Boulud disse que os franceses estavam com inveja, nada mais.
"Os franceses gostariam que tivessem sido eles os inventores do McDonald's", disse ele e acrescentou depois que ele próprio sempre tinha tido vontade de inventar um "hambúrguer adulto". Então, ele me convidou a entrar em sua cozinha e observá-lo criando um hambúrguer com carne bovina do Wyoming, trufas negras e costelas do Colorado refogadas no vinho tinto.
"Vou chamar isto de o DB Burger", me disse Boulud. Desde então, o hambúrguer tornou-se um dos pratos presentes em seus bistrôs DB, onde custa US$ 32, e inspirou rivais de preços altos em todo o mundo.
Depois do tratamento de haute cuisine dado ao hambúrguer chegou a tentativa de Nathan Myhrvold de criar hambúrguer high-tech. O ex-executivo-chefe de tecnologia da Microsoft propôs a seguinte inovação: o uso de nitrogênio líquido para preparar a carne do hambúrguer.
Até agora, porém, os chefs ainda não aderiram às técnicas de Myhrvold descritas em "Modernist Cuisine", seu novo livro sobre culinária de alta tecnologia.
Myhrvold explicou que um bife de hambúrguer explora de modo suculento a reação de Maillard, assim chamada graças ao francês do século 20 que explicou a química do douramento da carne. Quando o bife do hambúrguer encosta na chapa quente, a água em sua superfície inferior evapora rapidamente, gerando uma crosta seca muito fina, na realidade um gel transparente, conhecida como a zona de dessecamento.
Imediatamente acima dela fica a zona de Maillard, onde o calor provoca reações entre os açúcares e proteínas que levam a carne a ficar marrom, gerando moléculas dotadas de um sabor intrinsecamente agradável.
Os antecedentes evolutivos do hambúrguer foram os "bifes de Hamburgo" preparados na cidade portuária alemã de Hamburgo no século 18, cujo nome foi dado a diversos sanduíches de carne moída vendidos em restaurantes dos EUA no século 19. De acordo com Josh Ozersky, autor de "The Hamburger: A History", embora esses sanduíches fossem descritos como hambúrgueres, eles não possuíam todos os elementos essenciais.
Ozersky aponta Walter Anderson como o criador do hambúrguer, o que teria sido feito em um restaurante de Wichita, Kansas, em 1916, que se converteu no primeiro da rede White Castle. As inovações cruciais de Anderson foram o uso de um pão especial (em lugar de fatias de pão), o preparo da carne sobre uma chapa quente (260°C) e a ideia de apertar o bife sobre a chapa com uma espátula feita de aço resistente.
"Apertar a carne para baixo com uma espátula combate a tendência do hambúrguer de se erguer da chapa", disse Myhrvold. "Quando você pressiona a carne contra uma superfície muito quente, a reação de Maillard é maximizada. O desafio, quando se prepara um hambúrguer, é criar os sabores de Maillard na parte externa, ao mesmo tempo conservando a parte interna rosada. Carne cinzenta é dura e sem sabor, porque foram quebradas as proteínas sem quebrar o colágeno."
A solução proposta por Myhrvold para este desafio é um processo em duas partes desenvolvido pela equipe de laboratório do "Modernist Cuisine". Primeiro, coloque o bife de carne moída em um saco plástico e o cozinhe "sous vide" -imerso em água quente, mas não muito, por meia hora, até a temperatura em seu centro chegar a mais ou menos 55°C.
Em seguida, mergulhe o bife em nitrogênio líquido por 30 segundos para congelar o milímetro externo da carne e frite por um minuto em óleo a 230°C.
"O congelamento, seguido pelo calor intenso, permite que você doure a parte externa sem cozinhar demais a parte interna", explicou Myhrvold. E a fritura em óleo quente é vista como aprimoramento tecnológico em relação à técnica clássica do White Castle, da espátula apertando a carne contra a chapa.
Essa inovação em laboratório suscitou de Daniel Boulud uma resposta diplomática, mas evasiva. "O congelamento do nitrogênio é extremamente interessante", disse o chef, mas ele se indagou se isso seria prático, e se o hambúrguer sairia realmente saboroso.


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