São Paulo, segunda-feira, 20 de julho de 2009

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Volta ao trabalho manual fere orgulho sul-coreano

Por MARTIN FACKLER

KUNGHANG, Coreia do Sul — Com sua camiseta universitária limpa e celular reluzente, Lee Chang-Shik tem toda a aparência de gerente de uma construtora de apartamentos, o emprego que possuía até o pânico financeiro de 2008 —e que diz a seus amigos e familiares que ainda tem.
Na verdade, porém, Lee leva uma vida secreta. Depois de seu empregador falir, no ano passado, ele se mudou para a distante vila de pescadores de Kunghang para fazer o trabalho mais bem pago que conseguiu encontrar no mercado atual: ajudante num barco de pesca de caranguejos.
“Uma coisa é certa: não vou colocar ‘pescador de caranguejos’ em meu currículo”, disse Lee, que uma vez por mês volta a Seul, um percurso de cinco horas, para procurar empregos em escritórios. “Este trabalho fere meu orgulho.”
As histórias de sofrimento econômico se tornaram comuns durante a crise econômica atual, e a Coreia do Sul tem sua devida parcela delas, à medida que sua economia de exportação foi duramente atingida pela recessão global.
Mas, em muitos casos, as histórias têm um viés distintamente coreano, com ex-profissionais de colarinho branco passando a fazer trabalhos fisicamente mais cansativos ou ofícios manuais tradicionais relativamente bem pagos, na agricultura, na pesca ou nos muitos banhos públicos do país, que empregam profissionais para escovar as costas de seus fregueses.
Outra coisa distintamente coreana talvez seja o esforço que muitos fazem para esconder seu status rebaixado.
Lee disse que, quando conversa ao telefone com amigos ou parentes, evita falar em trabalho.
Numa sociedade competitiva e na qual o status tem grande importância, Lee e outros profissionais sentem vergonha por fazer trabalhos manuais. Alguns também falam do sentimento de culpa por seus novos empregos, depois de anos estudando em escolas e universidades caras. E muitos profissionais mais jovens, que cresceram num país mais rico, veem o trabalho manual como parte do passado pobre de seus pais e avós.
“Muitos sul-coreanos acham que têm o direito de ser profissionais de colarinho branco”, explicou Lee Byung-hee, economista sênior do Instituto Coreano do Trabalho, organização de pesquisas vinculado ao governo. “Mas suas expectativas se chocam com a realidade sombria desta economia, que não deixa outra escolha senão entrar para a força de trabalho de colarinho azul.”
Lee decidiu ser pescador porque esse trabalho lhe garante cerca de R$ 3.400 mensais, muito mais do que poderia ganhar em Seul servindo mesas em um café. Os salários altos dos pescadores se devem à escassez crônica de mão de obra durante os anos do boom, quando os sul-coreanos evitavam os trabalhos que viam como sujos, deixando-os para migrantes.
Uma escola em Seul que forma massagistas e lavadores aumentou suas matrículas em 50% este ano, para 180 alunos, em função da chegada de pessoas que perderam seus empregos. “Mesmo numa recessão, as pessoas precisam ter suas costas lavadas”, disse Na Deuk-won, proprietário do local.
Muitos dos novos pescadores de caranguejos em Kunghang lamentaram sua escolha. “Este trabalho é tão sujo e fedido que me dá vontade de vomitar”, disse Kwak Jung-ho, 33, que era gerente de uma loja de celulares em Seul. A loja foi fechada este ano.
“Se meus pais soubessem o que estou fazendo, sentiriam pena de mim. Hoje eu olho para o mar e penso que deveria ter me esforçado mais na loja e ter sido um homem melhor para minha família.”


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