São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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Jovens, educados e indesejados

Diploma universitário abre poucas portas na China

Por ANDREW JACOBS

Pequim
Liu Yang, filha de um mineiro de carvão, chegou à capital em meados deste ano, trazendo consigo um diploma recém-impresso da Universidade de Datong, US$ 140 na carteira e um ar de invencibilidade.
Seu primeiro contato com a realidade aconteceu no mesmo dia, quando ela se viu arrastando suas malas por um bairro dilapidado, não longe da Vila Olímpica, onde dezenas de milhares de outros jovens batalhadores vivem apinhados, quatro em cada cômodo.
Incapaz de encontrar um lugar para dormir em meio ao labirinto de cortiços, Liu franziu o rosto enquanto o cheiro de lixo pairava ao seu redor. "Pequim não é assim nos filmes", disse ela.
Recém-formados ambiciosos como Liu, muitas vezes os primeiros das suas famílias que finalizam o ensino médio, são parte de uma jovem geração de chineses que supostamente deveria transportar esta economia dependente da mão de obra para um futuro nos escritórios. Desde 1998, o número anual de diplomados em faculdades cresceu de 830 mil para mais de 6 milhões.
É um feito notável e motivo de preocupação. A economia, embora robusta, não gera suficientes empregos qualificados para absorver o afluxo de jovens com formação universitária.
"A faculdade basicamente não lhes forneceu nada", disse Zhang Ming, cientista político e crítico inflamado do sistema educacional chinês. "Se houvesse uma crise econômica, eles poderiam ser uma fonte de instabilidade."
Numa cruel reviravolta, a antiga classe de migrantes -camponeses sem formação, dirigindo-se para cidades industriais- agora é muito requisitada. A escassez de mão de obra e a maior fiscalização governamental fizeram com que os salários dos operários subissem quase 80% de 2003 a 2009. Já o salário inicial para pessoas formadas nas áreas de contabilidade, finanças e programação de computadores se manteve igual nesse período.
Mas a sedução pela riqueza espetacular em cidades litorâneas como Xangai, Tianjin e Shenzhen faz com que os recém-formados continuem chegando.
"Em comparação a Pequim, minha cidade na província de Shanxi parece parada na década de 1950", disse Li Xudong, 25, ex-colega de classe de Liu. "Se eu ficasse lá, minha vida seria deprimente."
Os recém-chegados, porém, descobrem que seus diplomas provinciais lhes garantem pouco respeito na cidade grande. Além disso, eles não têm "guanxi" (contatos pessoais) e esbarram na burocracia da gestão populacional, o sistema "hukou", que nega subsídio habitacional e outros benefícios aos migrantes.
Some-se a isso uma maré demográfica que elevou a 123 milhões de pessoas a população chinesa na faixa dos 20 aos 25 anos.
"A China tem realmente melhorado a qualidade da sua força de trabalho, mas, ao mesmo tempo, a competição nunca foi tão séria", disse Peng Xizhe, chefe do departamento de Desenvolvimento Social e Políticas Públicas da Universidade Fudan, em Xangai.
Yuan Lei foi o primeiro a jogar água fria nas expectativas de Liu, Li e três outros colegas recém-chegados. Ele havia desembarcado em Pequim meses antes, mas continuava desempregado.
"Se você não é filho de uma autoridade ou não vem de família endinheirada, a vida vai ser amarga", disse Yuan aos amigos enquanto comiam uma tigela de macarrão de US$ 0,90, a primeira refeição deles na capital.
Ao cair da noite, enquanto as ruas se enchiam de jovens recepcionistas, caixas e balconistas voltando para casa, Yuan conduziu seus amigos por um beco úmido, até a instável escada que leva ao seu quarto. O cômodo tinha a largura de uma cama "queen", e ele dividia um banheiro imundo com dezenas de outros inquilinos.
Li sorriu ao absorver a cena. "Estou pronto para cair no mundo e me testar", disse.
Os cinco meses seguintes, de fato, seriam mais desafiadores do que o grupo previa. Li se acotovelava para entrar em concorridas feiras de empregos, mas saía de mãos vazias. Afinal, ele e seus amigos se contentaram com empregos de vendedores numa fábrica de macarrão instantâneo. O salário inicial, apenas US$ 180 por mês, dependia parcialmente do cumprimento de ambiciosas metas de vendas. Eles trabalhavam 12 horas por dia.
"Não é o que eu queria fazer, mas pelo menos tenho um emprego", disse Li. Como havia vendido apenas 800 caixas de macarrão naquele mês, 200 aquém da meta, seu minguado salário foi afetado.
Li teme que, caso não consiga ganhar o suficiente para comprar uma casa, não poderá se casar com sua namoradinha do colégio, que o acompanhou. Até novembro, dois jovens do grupo haviam sucumbindo a essa pressão, inclusive Liu Yang, que voltou para Shanxi. Restaram Yuan, Li e suas namoradas. Uma noite, no jantar, eles se queixavam da falta de gentileza dos pequineses e do tédio dos seus trabalhos. "Agora que eu vejo como é o mundo aqui fora, só lamento não ter me divertido mais na faculdade", disse Yuan.


Colaboraram, com pesquisa, Xiyun Yang e Benjamin Haas



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