São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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A meta é recuperar o modo de enxergar

Por RANDY KENNEDY
As pessoas que visitam um local específico de Nova York, na saída de Park Avenue, perto da rua 66, podem ter dificuldade em perceber que não estão no convento Santa Maria delle Grazie, em Milão, olhando para algo que todos conhecem, mas poucos já viram de fato: uma pintura magistral de 13 homens envoltos em vestes e sentados estranhamente de um só lado de uma comprida mesa de jantar.
Mesmo muitos especialistas podem não conseguir distinguir o mural que está à frente deles do mural real, "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci.
Na realidade, o local é a Armaria de Park Avenue. Até 6 de janeiro, em seu enorme salão de exercícios militares, o provocativo cineasta britânico Peter Greenaway está apresentando o trabalho -um misto de pintura, cinema, palestra, instalação ou algo mais que ele vem mostrando a plateias enormes e entusiasmadas (além de alguns estudiosos de arte irritados) em todo o mundo há três anos.
"A Última Ceia de Leonardo: Uma Visão de Peter Greenaway" nasceu do desejo do cineasta de trazer de volta uma competência visual que ele acha que os olhos modernos perderam, quando olham para pinturas. O trabalho emprega acessórios diversos, iluminação, projetores digitais avançados, telões, música gravada, dublagens, uma cópia precisa da pintura e praticamente todos os outros artifícios teatrais imagináveis para infundir vida a uma obra-prima da arte ocidental.
A primeira exposição desse tipo feita por Greenaway, em 2006, envolveu projeções sobre uma tela do quadro "Ronda Noturna", obra-prima de Rembrandt exposta no Rijksmuseum, em Amsterdã, onde Greenaway vive. A ideia decolou e, desde então, foi concretizada com a "Última Ceia" real, uma exposição com uma réplica de "As Bodas de Cana", de Veronese, em Veneza, e duas outras mostras sobre "A Última Ceia", em Milão e Melbourne, usando uma réplica de "A Última Ceia" enviada recentemente da Espanha a Nova York em seis painéis.
Dentro do salão de exercícios da armaria, funcionários da produtora teatral milanesa Change Performing Arts construíram uma recriação em tamanho natural do refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie, onde a pintura foi concluída por Da Vinci em 1498, depois de vários anos de trabalho.
A cópia da pintura foi feita 510 anos mais tarde e em muito menos tempo -cerca de cinco semanas- por uma empresa chamada Factum Arte, com sedes em Madri e Londres. A firma é pioneira no uso de fotografia de alta resolução e escaneamento tridimensional para recriar pinturas e esculturas com precisão. A réplica de "A Última Ceia" foi "pintada" por uma impressora de jato de tinta que foi lentamente cobrindo painéis de reboco, mais ou menos o tipo de superfície sobre a qual Da Vinci trabalhou, com tinta que imita a tinta original, mas foi feita para durar muito mais tempo (Leonardo usou uma mistura experimental de têmpera sobre reboco seco, e o resultado foi desastrosamente frágil).
Greenaway disse que seu interesse em criar essas exposições se deve não apenas ao fato de ele próprio, quando jovem, ter estudado pintura, mas ao interesse em utilizar o cinema para objetivos principalmente ligados à pintura. A motivação nasceu mais ainda do interesse decrescente pelo cinema, cuja morte ele vem proclamando há mais de uma década. O que começou a obcecá-lo foi a ideia de ver o que a tecnologia cinematográfica avançada do século 21 poderia fazer se fosse atrelada a alguns milhares de anos de história de sua antecessora bidimensional, a pintura ocidental.
"Se eu me queixo de o cinema ser ruim, preciso tentar colocar alguma coisa de volta em seu lugar", afirmou.
Alguns dias mais tarde, quando uma mesa elevada que evocava a mesa de jantar de "A Última Ceia" brilhou em um vermelho sombrio e, então, em um branco cegante, e projeções de detalhes da pintura passavam de maneira vertiginosa entre alguns espectadores, Greenaway disse estar preocupado, pois achou que a coisa toda estava se arrastando um pouco.
"É também minha responsabilidade apresentar aqui noções de entretenimento legítimo", explicou.
Mas Adam Lowe, fundador da Factum Arte e criador da réplica de "A Última Ceia", sorriu ao seu lado. "Se Leonardo estivesse aqui hoje, acho que seria o homem mais feliz do mundo", opinou.


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