São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Músicos passam por péssimo momento

Digitalização está tomando o lugar dos instrumentistas

Por DANIEL J. WAKIN
No mundo da música erudita de Nova York, a maior parte da atenção é voltada à Filarmônica de Nova York, ao Metropolitan Opera, às grandes orquestras internacionais que visitam a cidade e a solistas glamurosos que podem ganhar dezenas de milhares de dólares com uma apresentação.
Noite após noite, porém, instrumentistas altamente qualificados tocam em igrejas e casamentos, nos festivais de verão do Lincoln Center e da Broadway e em trabalhos de substituição de outros músicos no Met e na Filarmônica. Eles tocam em uma dúzia de orquestras de freelancers, garantem o som dos musicais da Broadway e fornecem trilhas sonoras para Hollywood e Madison Avenue -ou, pelo menos, forneciam. Eles estão à base da vida musical de uma grande capital cultural.
Mas o músico freelancer de Nova York está desaparecendo. Em uma era de sampleamento, digitalização e terceirização, a atividade de gravação de trilhas sonoras e jingles publicitários em Nova York basicamente desapareceu. Os trabalhos para músicos na Broadway estão minguando. As companhias de dança usam música gravada. E muitas orquestras independentes vêm reduzindo suas temporadas -reduzindo-as tanto que, em alguns casos, elas estão quase deixando de existir.
Jay Blumenthal, da seção local 802 da Federação Americana de Músicos, explica que cerca de 520 músicos tocam em grupos musicais freelancers em Nova York. Os músicos de orquestra recebem US$ 252 por apresentação ou US$ 50 por hora de ensaio.
Os contratos com a maioria dessas orquestras terminaram em setembro, e tudo indica que os valores pagos aos músicos vão diminuir. Essas orquestras dependem de doações para sobreviver, além de algumas poucas verbas governamentais. A Grande Recessão está cobrando seu preço.
A Filarmônica do Brooklyn, fundada em 1954, praticamente parou de se apresentar. A Filarmônica de Long Island tem um concerto para esta temporada.
A Sinfônica de Queens chegou a contar com 65 músicos, mas agora está reduzida a apenas 17 em algumas apresentações. Apesar da fama de seu diretor musical, Itzhak Perlman, a Filarmônica de Westchester tem uma dívida de US$ 385 mil e está tendo dificuldade em pagar seus músicos.
A vida dos músicos freelancers sempre foi marcada pela incerteza, mas muitos músicos dizem gostar da espontaneidade e variedade.
Muitos músicos atribuem a redução das oportunidades de trabalho a uma recessão de outro tipo: a "recessão da música clássica". O veterano percussionista freelancer Benjamin Herman, 61 anos, diz que os concertos P.D.Q. Bach do humorista musical Peter Schickerle desapareceram não porque as piadas não fossem engraçadas, mas porque as plateias não tinham conhecimento musical suficiente para apreciá-las.
O número mínimo total de músicos nos teatros da Broadway caiu de 526, no início dos anos 1990, para 335 (o fechamento de alguns teatros contribuiu para a queda). O aumento dos musicais de rock também prejudicou o mercado dos músicos freelancers.
Quanto às gravações, muitos produtores começaram a trabalhar com orquestras mais baratas em outros países ou estão usando música digitalizada, e os grandes estúdios de gravação fecharam.
Os músicos estão se agarrando aos trabalhos que existem, e isso dificulta a penetração de instrumentistas mais jovens no mercado. Enquanto isso, os principais conservatórios de Nova York continuam a formar mais de 500 músicos por ano.
E músicos saídos de universidades e conservatórios de todo o país também vão a Nova York em busca de trabalho.
As mudanças estão forçando os músicos a uma adaptação. Os mais jovens, adeptos das mídias sociais, estão formando grupos próprios, em muitos casos com programação inovadora, concertos em locais inesperados -bares, galerias de arte e museus- e ganhando valores mínimos.
"O jeito é fazer você mesma", disse a flautista Claire Chase, 32, que ajudou a fundar e administra o conjunto de câmara "International Contemporary Ensemble". "E não esperar que a descubram."
Os freelancers mais velhos também estão procurando se adaptar aos novos tempos. Dale Stuckenbruck, 57, violinista de West Hempstead, em Nova York, desenvolveu habilidades especiais: toca serrote e ensina crianças a fabricar violinos chineses e instrumentos feitos de legumes.
Ele conta que seu entusiasmo por tocar o violino não diminuiu. "A gente ama nosso trabalho profundamente", explicou. "Não é um trabalho -é nossa vida."


Texto Anterior: Arte em Nova York
Artistas exploram estação de metrô abandonada

Próximo Texto: A meta é recuperar o modo de enxergar
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.