São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Após dez anos, mapa dos genes dá poucas pistas para tratamentos médicos

Por NICHOLAS WADE

Dez anos depois de o ex-presidente dos EUA Bill Clinton (1993-2001) ter anunciado que o primeiro esboço do genoma humano estava concluído, a medicina ainda não viu grande parte dos benefícios prometidos.
Para os biólogos, o genoma produziu uma surpresa significativa após outra. Mas o objetivo primário do projeto do genoma humano, de US$ 3 bilhões -descobrir as raízes genéticas de doenças comuns como câncer e Alzheimer e, então, criar tratamentos-, permanece em grande parte uma ilusão. De fato, uma década após o esforço, os geneticistas estão quase de volta ao início no conhecimento das origens das doenças comuns.
Um sinal do uso limitado do genoma para a medicina foi um recente teste de previsões genéticas para doença cardíaca.
Uma equipe médica liderada por Nina P. Paynter, do Hospital Feminino Brigham em Boston, coletou 101 variantes genéticas que tinham sido estatisticamente ligadas à doença cardíaca nos vários estudos de rastreamento do genoma.
Mas as variantes, afinal, não tiveram validade para prever a doença entre 19 mil mulheres que tinham sido acompanhadas durante 12 anos. O método antiquado de analisar o histórico familiar era um guia melhor, relatou Paynter em fevereiro em "The Journal of the American Medical Association".
Ao anunciar, em 26 de junho de 2000, que o primeiro esboço do genoma humano tinha sido alcançado, Clinton disse que ele "revolucionaria o diagnóstico, a prevenção e o tratamento da maioria ou de todas as doenças humanas".
Em entrevista coletiva, Francis Collins, então diretor da agência do genoma dos Institutos de Saúde dos EUA, disse que o diagnóstico genético de doenças seria alcançado em dez anos e que os tratamentos começariam a surgir talvez cinco anos depois. "Em longo prazo, talvez em mais 15 ou 20 anos, vocês verão uma completa transformação da medicina terapêutica", ele acrescentou.
A indústria farmacêutica gastou bilhões de dólares para desvendar segredos genômicos e está começando a colocar no mercado várias drogas orientadas pela genética. Enquanto os laboratórios continuam despejando muito dinheiro na pesquisa do genoma, ficou claro que a genética da maior parte das doenças é mais complexa do que se previa, e que serão necessários muitos anos antes que novos tratamentos sejam capazes de transformar a medicina.
"A genômica é uma maneira de fazer ciência, e não medicina", disse Harold Varmus, presidente do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, em Nova York.
A última década trouxe uma enxurrada de descobertas de mutações causadoras de doenças no genoma humano. Mas, na maioria dos casos, as descobertas só explicaram uma pequena parte do risco de contrair a doença. E alguns cientistas começam a temer que muitas variantes genéticas ligadas a doenças possam ser ilusões estatísticas.
O Projeto do Genoma Humano foi iniciado em 1989 com o objetivo de sequenciar, ou identificar, as 3 bilhões de unidades químicas no conjunto de instruções genéticas humano, encontrar as origens genéticas de doenças e, então, desenvolver tratamentos. Com a sequência na mão, o passo seguinte foi identificar variantes genéticas que aumentam o risco de doenças comuns, como câncer e diabetes.
Era caro demais na época pensar em sequenciar os genomas inteiros dos pacientes. Por isso, os Institutos de Saúde dos EUA adotaram a ideia de um atalho inteligente, o de examinar apenas os locais do genoma onde muitas pessoas têm uma unidade de DNA variante. Mas esse atalho parece não ter tido muito sucesso.
A teoria por trás do atalho foi que, como as principais doenças são comuns, também o seriam as variantes genéticas que as causam. A seleção natural mantém o genoma humano livre de variantes que prejudicam a saúde antes que as crianças se tornem adultas, dizia a teoria, mas falha contra variantes que ocorrem mais tarde na vida, permitindo que elas se tornem muito comuns. Em 2002, os Institutos de Saúde iniciaram um projeto de US$ 138 milhões chamado HapMap, para catalogar as variantes comuns dos genomas europeu, asiático do leste e africano.
Com o catálogo na mão, a segunda etapa seria ver se alguma das variantes era mais comum nos pacientes com determinada doença do que em pessoas saudáveis. Esses estudos exigiram grandes números de pacientes e custaram vários milhões de dólares cada um. Quase 400 deles tinham sido concluídos em 2009. O resultado é que centenas de variantes genéticas comuns hoje foram estatisticamente ligadas a diversas doenças.
Mas, para a maioria delas, as variantes comuns explicaram apenas uma fração do risco genético. Hoje parece mais provável que cada doença comum seja causada principalmente por grandes números de variantes raras -raras demais para terem sido catalogadas pelo HapMap.
Os defensores do HapMap e dos estudos de associação com o genoma dizem que a abordagem fazia sentido porque somente hoje está se tornando suficientemente barato procurar variantes raras, e que muitas variantes comuns têm interferência nas doenças.
Nesta altura, cerca de 850 locais do genoma, a maioria deles perto de genes, foram relacionados a doenças comuns, disse Eric Lander, diretor do Instituto Broad em Cambridge, Massachusetts, e um líder do projeto HapMap. "Por isso, opino que a hipótese se confirmou", ele disse.


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