São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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Homem pode ter domesticado cães para comê-los


Cientistas divergem quanto às origens do cachorro


Por NICHOLAS WADE

O cão possui tantas qualidades que é difícil saber por qual delas ele foi valorizado e criado pelos humanos primitivos que primeiro domesticaram seu ancestral, o lobo. Teria sido pela coragem dele na caça, seu papel como guarda, sua força para puxar trenós ou seu calor e companheirismo?
Um novo estudo sobre cães em todo o mundo, o maior do tipo já realizado, sugere uma resposta diferente: é possível que os lobos tenham sido domesticados primeiramente para o consumo de sua carne. Essa hipótese é proposta por um grupo de geneticistas liderado por Peter Savolainen, do Real Instituto de Tecnologia de Estocolmo.
Com amostras do DNA mitocondrial de cães, a equipe descobriu que todos os cachorros de todas as regiões do mundo parecem pertencer a uma única linhagem. Isso é indicativo de um único evento de domesticação. Se os lobos tivessem sido domesticados em muitos lugares, haveria mais de uma linhagem, cada uma delas remetendo a uma população local de lobos.
A domesticação única parece ter ocorrido no sul da China, onde os cães têm diversidade genética maior que os de outras regiões. A região de diversidade maior geralmente é o lugar de origem, porque uma espécie tende a perder diversidade à medida que se espalha.
Savolainen conseguiu estimar o tempo em que ocorreu a domesticação -provavelmente mais ou menos no período em que os caçadores/coletores primeiro se assentaram em comunidades fixas na China, por volta de 11 mil a 14 mil anos atrás.
No sul da China, onde ossos de cachorros com marcas de cortes foram encontrados em sítios arqueológicos, há uma longa tradição de consumo da carne de cães.
Savolainen disse que os lobos provavelmente se domesticaram por conta própria quando começaram a procurar comida nos depósitos de lixo dos primeiros assentamentos humanos. Essa teoria é defendida por Ray Coppinger, biólogo de cães do Hampshire College, de Massachusetts. À medida que os lobos foram sendo amansados, provavelmente foram capturados e criados. Em vista das tradições locais, sugere Savolainen, é possível que tenham sido criados para servir de alimento para humanos.
Desse modo, os cães podem ter ingressado na vida humana por meio do lixo e da carne de cachorro, mas não demoraram a exercer papéis melhores. Uma vez domesticados, logo se espalharam, partindo da extremidade oriental do continente eurasiano rumo ao oeste.
A maioria das pessoas não come carne de cachorro, de modo que deve haver outras razões que expliquem a disseminação dos cães, disse Savolainen -possivelmente sua utilidade como animais de guarda e para puxar trenós.
O artigo do pesquisador sueco, publicado recentemente no periódico "Molecular Biology and Evolution", foi escrito em conjunto com Jun-Feng Pang, do Instituto Kunming de Zoologia, da China.
Em 2002, Savolainen escreveu que os cães tinham se domesticado na Ásia oriental a partir de lobos. A conclusão foi contestada recentemente por uma equipe da Universidade Cornell (EUA), que disse que a diversidade genética dos cachorros encontrados em aldeias africanas é tão grande quanto a dos cães chineses.
Savolainen contestou o cálculo da Cornell, afirmando que a diversidade é, sim, maior entre os cachorros chineses.
Stephen O'Brien, especialista na genética da domesticação junto ao Instituto do Câncer dos EUA, disse que o argumento de Savolainen em favor de um evento único de domesticação no sul da China é "uma conclusão muito boa", mas que poderia ser reforçado por exames mais abrangentes.
Uma equipe americana está pesquisando a genética de cachorros e lobos com a ajuda de um chip, programado para reconhecer pontos diferentes no genoma do cachorro e do lobo, não apenas o DNA mitocondrial estudado por Savolainen. Os dados ainda não foram publicados, mas, disse O'Brien, alguns deles "não condizem inteiramente" com a teoria da origem asiática oriental dos cachorros.
As disputas em torno das origens dos cachorros mostram que os pesquisadores estão apenas começando a estudar a "arqueologia genômica", diz O'Brien. "É um campo novo em folha."


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