São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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INTELIGÊNCIA - ROGER COHEN

A ascensão da Geração Global

LONDRES - Meu filho Daniel está trabalhando no Vietnã comercializando a cerveja Budweiser, um ícone americano. A Budweiser pode ser tão americana quanto possível, mas hoje é propriedade da Anheuser-Busch InBev, uma companhia belga. A própria InBev foi criada há alguns anos pela fusão da brasileira Ambev com a Interbrew, da Bélgica.
É muita informação para o alto de uma coluna, perdoem-me, mas o mundo moderno é um pouco assim: um emaranhado de propriedades transfronteiriças onde ícones nacionais não são realmente tão nacionais.
Daniel, 27, vai passar um mês no Brasil aprendendo com marqueteiros brasileiros a vender uma cerveja americana para os 80 milhões de cidadãos do Vietnã, um país em rápido crescimento. Ele faz parte da Geração Global (GG).
A existência da GG é uma coisa esperançosa. Nunca tantos jovens foram tão conscientes dos desafios comuns que o globo enfrenta, tão determinados a "ir lá" aprender a respeito, ou tão decididos a dar sua contribuição para um mundo mais equitativo. A cibercomunidade sem fronteiras das redes sociais tem um efeito poderoso sobre suas opiniões.
A conexão vietnamita-brasileira de meu filho é interessante. É onde está o crescimento. Ele foi educado nos EUA, mas se ficasse no país depois de terminar seu mestrado poderia entrar na longa fila de jovens desempregados.
O crescimento que ajudou a evitar a crise econômica desde 2008 veio principalmente de países da próxima onda, como China, Vietnã, Índia, Rússia, Brasil, Indonésia e África do Sul. É lá que as multinacionais estão focadas.
No entanto, existe uma brecha entre os mundos econômico e político, e isso vai complicar a vida da geração de meu filho. Estamos avançando para uma nova realidade multipolar que reflete melhor a distribuição do poder no século 21, mas ainda não chegamos lá.
Nos principais pontos de erupção globais -Irã, Israel-Palestina, Afeganistão, Coreia do Norte-, os EUA lideram (com crescente dificuldade), a Europa segue, e então vêm as outras vozes, muitas vezes imprecisas.
Sou favorável a um mundo mais multipolarizado, porque os EUA não têm os recursos necessários para assumir infinitamente seu atual papel de pivô na segurança global. Mas também tenho em mente que os mundos de 1914 e 1939 eram multipolares -e produziram o cataclismo.
"Cuidado com o que você deseja" é uma máxima útil quando mudanças de poder radicais, como as atuais, estão em progresso. As potências emergentes representam um mistura de sistemas e valores, que é um dos motivos pelos quais suas vozes são imprecisas, juntamente com o fato de que agora elas estão focadas em seu próprio desenvolvimento.
Há os sistemas autoritários (em suas diferentes formas) da China, do Vietnã e da Rússia; e as amplas democracias (uma antiga, uma de meia-idade, uma nova e uma mais nova) da Índia, Brasil, África do Sul e Indonésia. Todas, em graus variados, têm sentimento dúbios sobre o mundo dominado pelo Ocidente cujo tempo está terminando.
Outra coisa que elas têm em comum é seu ardente desejo de crescer. Muitas dessas nações sabem por suas próprias histórias sobre a luta pela liberdade (em curso no Irã), pela paz (em curso em Israel-Palestina), pela reconciliação nacional (Afeganistão), pelo fim da miséria totalitária (Coreia do Norte).
Como as potências emergentes assumirão a responsabilidade acarretada pelo crescimento parece uma questão crítica para mim. Por enquanto elas não têm as corporações que aproximam o mundo e levaram meu filho a uma rede brasileira-belga-americana-vietnamita. Ergo um brinde a essa mistura especialmente exótica.

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