São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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Europa trava entrada de russos

Por MICHAEL SCHWIRTZ

MOSCOU - As férias de inverno acabam de terminar na Rússia, mas muitos russos já planejam sua próxima viagem europeia, comprando passagens e reservando hotéis.
E eles também estão juntando extratos bancários e formulários de seguro, pagando taxas, tirando fotos, fazendo fotocópias, enfrentando longas filas e sendo interrogados por funcionários de embaixadas- tudo para receber um visto europeu, espécie de autorização para escapar para o resto do continente, e que exemplifica como poucas outras coisas os muros que ainda dividem a Rússia do Ocidente.
Enquanto estonianos, búlgaros, letões e poloneses já podem perambular pela Europa livres das fronteiras e da burocracia que outrora os vinculavam a Moscou, os russos precisam obter uma permissão.
Tirar o visto é frustrante e às vezes degradante, segundo viajantes nascidos na Rússia, o que leva muitos a ser perguntar por que os russos parecem ser tão malvistos.
"Talvez a Rússia seja apenas grande demais, ou talvez seja por causa dos nossos conflitos passados", disse o skatista profissional Mikhail Poponin, 21, pegando fila sob temperaturas abaixo de 0?C em frente à Embaixada da Estônia em Moscou para pedir visto. "Talvez eles simplesmente achem que a Rússia é um país atrasado."
Na Rússia, as restrições internas contra viagens ao exterior acabaram junto com o colapso soviético, e a liberdade de ir ao estrangeiro, especialmente aos 27 países-membros da União Europeia, é celebrada. A UE, no entanto, tem sido uma anfitriã relutante. As autoridades russas há anos pressionam seus homólogos europeus para que estes pelo menos atenuem as restrições a viajantes russos, algo que, nas últimas semanas, as autoridades da UE se mostraram dispostas a considerar.
O chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, disse numa visita a Moscou que a Espanha, presidente da União Europeia neste semestre, usaria sua posição para promover uma política menos restritiva com relação aos vistos para russos. Autoridades europeias já fizeram promessas semelhantes no passado, mas a maioria não foi cumprida.
Um visto para entrar na UE pode custar a partir de US$ 50, mas não é o dinheiro que mais incomoda os russos. É a insinuação de que talvez eles possam não estar bem intencionados.
Os viajantes precisam apresentar extratos bancários provando que podem arcar com as férias e têm de mostrar comprovação de emprego, reservas de hotel e passagem aérea comprada de antemão, levando à dedução de que cada solicitante é um migrante clandestino em potencial. Mas, após solicitarem uma enorme papelada, os europeus acabam rejeitando pouquíssimos candidatos.
Europeus (e também americanos) precisam de visto para entrar na Rússia, mas o processo para um visto de turismo é muito mais simples. Não é necessária entrevista, por exemplo.
"O atual regime de vistos representa uma clara ilustração do fato de que a Rússia e a União Europeia na verdade não são os parceiros que frequentemente declaram ser", afirmou Arkady Moshes, pesquisador do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais.
"Para o cidadão russo comum, nada representa mais claramente essa falta de parceria do que o regime de vistos. Não é só simbólico, afeta realmente as pessoas." A União Europeia hoje inclui países do antigo Pacto de Varsóvia, como Polônia e Romênia. Mas mais irritante para muitos russos é a necessidade de permissão para entrar na Estônia, Letônia e Lituânia, ex-repúblicas soviéticas que estão na UE.
Na época soviética, os três países eram livremente visitados em fins de semanas e férias familiares. A aposentada Albina Marshalkina, 70, passou dois dias em lentos trens econômicos para ir da sua Veliki Novgorod a Moscou para solicitar um visto na embaixada estoniana. A viagem, a papelada, o pagamento das taxas e a espera de uma semana pelo visto hoje separam Marshalkina da sua filha e dos seus netos na Estônia.
Uma tensa relação política entre Estônia e Rússia torna improvável uma simplificação unilateral do processo. "Eles estão lá, e nós estamos aqui, e é difícil e caro para nós irmos para lá", disse ela, encolhida por causa do vento gélido em frente à embaixada.
"Não estou preocupada com o que acontece na Estônia. Eles que resolvam seus próprios problemas, mas deixem-nos ver nossos filhos e netos. Abram a fronteira." As pessoas em geral aceitam com paciência o processo de chegar à Europa, onde muita gente hoje tem negócios. Mas pode ser desafiador.
"Preciso partir imediatamente numa viagem de negócios e tenho visto, mas meu assistente, que eu preciso levar comigo, tem de esperar seis dias por um visto", disse Vladimir Drigant, 60, que estava na embaixada francesa ajudando seu neto a tirar um visto de turismo para outra viagem.
Mais tarde, o neto de Drigant passou com aspecto abatido. Ele não tinha fotocópias de todas as 37 páginas do seu passaporte, conforme exigido, e teria de voltar outro dia.


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