São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reforma agrária atinge terras de clã filipino

Por NORMITSU ONISHI
FAZENDA LUISITA, Filipinas - A exemplo do que fez seu pai no passado, Buenaventura Calaquian trabalhava nos canaviais da fazenda Luisita, de propriedade da família de Corazón Aquino, que foi presidente das Filipinas de 1986 a 1992. Na antiga e às vezes sangrenta luta por terras no país asiático, Calaquian, 58, saiu-se melhor do que a maioria.
Há alguns anos ele ocupa ilegalmente 1,5 hectare onde planta arroz e legumes. O pequeno lucro com a venda de tomates lhe permitiu adquirir 50 patos que agora nadam em um riacho próximo. "Não quero jamais voltar para a cana-de-açúcar", comentou Calaquian. "Isto aqui é melhor."
Apesar de o governo declarar que o programa de distribuição fundiária iniciado há duas décadas é um sucesso, a maioria dos agricultores filipinos ainda não se beneficiou significativamente dele. A posse desigual de terras continua a concentrar o poder econômico e político nas mãos de grandes famílias de latifundiários e a alimentar insurgências armadas, inclusive a mais antiga rebelião comunista da Ásia.
O problema fundiário voltou a chamar a atenção desde que o filho de Aquino, Benigno Aquino 3?, anunciou sua candidatura para a eleição de 10 de maio, valendo-se do legado de "poder popular" da sua mãe, que morreu em 2009. Embora Corazón Aquino houvesse priorizado a reforma agrária, ela permitiu que os latifundiários eviscerassem seu programa de redistribuição. Críticos dizem que não há melhor exemplo do fracasso da reforma agrária do que a fazenda da sua própria família.
Há cinco anos, a família Aquino luta na Suprema Corte contra uma ordem do governo para distribuir os 4.000 hectares da fazenda Luisita -segundo maior terreno familiar das Filipinas- entre 10 mil agricultores.
Em 2004, militares e policiais mataram sete manifestantes durante uma greve de camponeses que reivindicavam terras e melhores salários. Desde então, a empresa familiar Hacienda Luisita Incorporated conseguiu plantar cana-de-açúcar em apenas 40% da propriedade; o restante foi ocupado por agricultores individualmente, ou continua ocioso.
Criticado pela posição de sua família, Aquino, 50, favorito na eleição presidencial, anunciou recentemente que seu clã irá transferir a terra aos camponeses assim que assegurar o pagamento de dívidas. "Será deles, limpa e livre", disse Aquino.
Mas um primo dele, Fernando Cojuangco, executivo da holding proprietária das plantações, disse que a família Cojuangco (da qual Corazón Aquino era oriunda), que é dona dessa lavoura desde 1958, não tinha a intenção de abrir mão da terra nem da atividade canavieira.
"Acho que seria irresponsável, porque sinto que continuar o que temos aqui é o caminho", disse Cojuangco, 47, numa entrevista. "A agricultura açucareira tem de ser [o caminho]; é o tipo de negócio que tem de ser feito no estilo 'plantation' [grandes plantações]."
Desde a greve de 2004, muitos foram impossibilitados de voltar ao trabalho na fazenda, além de não terem dinheiro para plantar nas terras ocupadas.
Num bairro chamado Paunawa, Esmeraldo Alcantara, 42, era um dos vários desempregados frustrados que recolhiam galhos para vender a cerca de US$ 0,30 o feixe.
"Se eu tivesse terra e capital, seria o ideal", disse Alcantara, que controlava um lote de 1 hectare no qual desistiu de plantar. "Mas, como não tenho, voltar a trabalhar na fazenda seria melhor. Mas tampouco posso."


Texto Anterior: Cartas ao International Weekly
Próximo Texto: Jordanianos ficam à deriva sem cidadania
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.