São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Em momento de transição, Israel se volta à Rússia

O chanceler israelense Avigdor Lieberman se aproxima de Putin

Por CLIFFORD J. LEVY

MOSCOU - As posições de linha dura do novo chanceler israelense, Avigdor Lieberman, vêm inquietando o governo Obama. Moscou, porém, não manifesta os mesmos pudores. A recepção notavelmente calorosa que Lieberman teve na Rússia, neste mês, da parte de figuras de alto escalão, como o premiê Vladimir Putin, pode ser um sinal do que está por vir.
É claro que não havia como discernir até que ponto a cordialidade era simplesmente encenada às câmeras. Mesmo assim, ela revelou como Israel e Rússia procuram navegar à contracorrente de um Oriente Médio que passa por mudanças profundas -ilustradas com mais força, talvez, na luta israelo-palestina e no Irã, com a eleição tumultuada e os protestos de rua.
O novo governo de Israel já expressou reservas sobre a nova política dos EUA nessas duas áreas, de modo que a viagem de Lieberman pode ser vista como tática: empregar seu acesso à Rússia para sugerir que Israel possa reduzir sua dependência dos EUA e procurar apoio em Moscou.
Mesmo que não passe de blefe, o fato de Lieberman ter se voltado à Rússia -que, ela própria, busca um papel diplomático maior no Oriente Médio- acrescenta mais um elemento à lista de mudanças em curso na região. Todas essas mudanças podem ter sua origem traçada, até certo ponto, a reações à ênfase de Obama sobre a melhora das relações com os mundos árabe e muçulmano por meio da diplomacia e a sua pressão sobre Israel para que congele os assentamentos na Cisjordânia.
"Queremos acrescentar alguma diversidade à nossa política externa", disse Lieberman a uma emissora de TV em língua russa em Israel, após retornar de Moscou. "E, claro, a Rússia é um ator chave."
Lieberman enfatizou que não quer enfraquecer o vínculo fundamental de Israel com os EUA. E, seja qual for sua estratégia, em última análise é o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, quem dá a palavra final sobre a política externa.
De fato, as manobras vistas nas últimas semanas deram a impressão de um treino de boxe feito com adversário imaginário. Com um novo governo em Washington voltado à diplomacia e um novo governo em Jerusalém de linha intransigente, as várias partes na região estão testando umas às outras, para ver como se reposicionarão.
O Kremlin espera usar este período para reafirmar-se no Oriente Médio e desafiar a influência dos EUA na região. Se tiver boas relações com israelenses e árabes, poderá mais facilmente apresentar-se como intermediário. Também planeja promover uma conferência sobre a paz no Oriente Médio, a ter lugar em Moscou.
Lieberman pareceu dar-se bem em Moscou porque fala não apenas a língua da Rússia, mas também a da liderança russa. Para analistas, ambos os lados acreditam no uso contundente do poder de Estado. Também compartilham um nacionalismo resoluto e uma disposição em agir contra o extremismo islâmico de maneiras que podem ser vistas pelo Ocidente como excessivas.
Por exemplo, Lieberman, que reflete as visões de direita de muitos imigrantes da ex-União Soviética, defendeu que os cidadãos árabes em Israel façam um juramento de fidelidade ao Estado. O Kremlin recentemente criou um comitê para combater o que descreveu como tentativas de falsificar a história de maneiras que amesquinham as conquistas da Rússia.
Tatyana Karasova, especialista do Instituto de Estudos Orientais em Moscou, disse que Putin e Lieberman têm uma relação boa porque ambos são "gosudarstvenniks" -termo derivado de "Estado" ou "governo", em russo, que indica uma pessoa que gosta de exercer poder oficial. "Como gosudarstvennik, Putin pode realmente compreender outro gosudarstvennik como Lieberman", disse.
A União Soviética foi um dos primeiros países a reconhecer Israel após a fundação deste, em 1948, mas posteriormente, na Guerra Fria, aliou-se a países árabes como Egito, Síria e Iraque. Enquanto isso, os judeus soviéticos enfrentavam discriminação onipresente, uma das razões que levou tantos deles a deixar o país. Desde o colapso soviético, porém, as relações da Rússia com Israel vêm melhorando constantemente, e uma das razões disso é dada pelo 1 milhão de imigrantes que deixaram a ex-União Soviética para radicar-se em Israel. Muitos deles conservam um elo cultural com a Rússia (o próprio Lieberman emigrou de Moldova no final da década de 1970).
Rússia e Israel eliminaram a exigência de visto para as viagens entre os dois países, e hoje turistas russos viajam a Israel em grande número, enquanto executivos israelenses frequentemente fazem o percurso inverso. O antissemitismo ainda existe na Rússia, mas é muito menos presente do que no passado. Devido à imigração, pode-se argumentar que a Rússia tem vínculos sociais mais estreitos que os EUA com Israel.
Ao mesmo tempo, a Rússia tem importantes interesses diplomáticos e comerciais em países árabes e no Irã. Ela mantém um diálogo com o Hamas, que controla Gaza, e com o fundamentalista Hizbollah no Líbano, não obstante as objeções de Israel. A Rússia também está construindo uma usina nuclear civil no Irã e está menos disposta que Washington a empregar sanções para impedir Teerã de obter armas nucleares. Esse é um ponto de atrito com Israel, e, pelo menos por enquanto, parece que Lieberman não teve muito êxito em convencer o Kremlin a agir mais agressivamente contra o Irã.
Mesmo assim, parece que Lieberman acredita que tem uma chance melhor que outros representantes israelenses de cortejar Moscou com sucesso. "É gratificante nos darmos conta de que pessoas que sabem mais do que apenas rumores sobre este país são nomeadas para cargos tão altos em Israel", disse Putin a Lieberman. "Espero que isto dê ímpeto adicional ao desenvolvimento das relações russo-israelenses."
Analistas apontaram para outro aspecto dessa relação crescente: tanto o Kremlin quanto a direita israelense nutrem ressentimentos sobre a maneira como são vistos nos EUA e na Europa. "Se olharmos para todas as críticas feitas no Ocidente ao problema da Tchetchênia, são muito semelhantes às acusações que se ouvem ao governo israelense", disse Dmitri Babich, comentarista político da agência de notícias estatal em Moscou. "Mesmo os termos usados são os mesmos: uso de força desproporcional, danos colaterais excessivos etc. Rússia e Israel se sentem incompreendidos pelo Ocidente." O próprio Lieberman aludiu a essa confluência. "Mais que ninguém, a Rússia está muito familiarizada com o terror", disse. "A própria Rússia já sofreu com o uso de dois pesos e duas medidas."


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