São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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INTELIGÊNCIA

A vista desde Júpiter

ROGER COHEN

Nova York
O analista Robert Kagan disse certa vez que "os americanos são de Marte, e os europeus, de Vênus". A frase captou bem a disposição dos EUA de travar guerras para fomentar seus interesses e ideais e a preferência pós-moderna da União Européia pelo multilateralismo pacífico.
A expressão também refletia aspectos das duas sociedades: o entusiasmo americano pelo capitalismo sem freios versus o pendor europeu pela democracia social, na qual o bem-estar social apara as arestas do mercado.
Os americanos gostavam de ironizar os europeus, retratando-os como ultrapassados e mimados que desfrutavam da semana de trabalho de 35 horas. Já os europeus fulminavam a crueldade do sistema americano que não garante seguro-saúde a 45 milhões de cidadãos.
Mas agora parece que americanos e europeus são todos de Júpiter, planeta com diferenças cada vez menores entre eles.
O custo de duas guerras deu um banho de água fria na belicosidade dos EUA. Ao mesmo tempo, o desastre financeiro levou à criação de um fundo de resgate de US$ 700 bilhões, o tipo de intervenção estatal maciça que levou os americanos a zombar dos europeus, no passado. O mercado americano foi amansado com uma dose generosa de socialismo.
As guerras no Iraque e no Afeganistão continuam. Mas o secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, já declarou que "a guerra é inevitavelmente trágica, ineficiente" e criticou o esforço bélico de Rumsfeld-Cheney-Bush por sua irresponsabilidade.
O equivalente financeiro ao insensato "shock and awe" (choque e pavor) do ex-secretário da Defesa Donald Rumsfeld foi o "sub and prime" (a crise das hipotecas). General Motors e Chrysler já anunciaram que, sem ajuda, seu dinheiro acabará até o fim do ano.
Isso provocou uma reação européia presunçosa, no estilo "nós avisamos". Mas os europeus foram obrigados a reconhecer que seus hábitos financeiros se americanizaram mais do que eles gostariam. Do Reino Unido à Espanha, os booms econômicos baseados em preços imobiliários crescentes e alto grau de alavancagem caíram por terra.
E como ficam as coisas em Júpiter? Acho que Obama tem uma chance para consolidar uma reaproximação transatlântica, reformular a guerra ao terror de maneiras que levem americanos e europeus a engajar-se igualmente nela e fomentar idéias européias -como o acesso universal à saúde- que poderiam beneficiar a sociedade americana.
De vez em quando sonho com um lugar chamado Eumérica, em que os bifes, as geladeiras e a atitude de que tudo é possível poderiam ser americanos, o café fosse italiano, o serviço de saúde, francês, as faculdades, americanas mas com mensalidades européias, os carros, alemães, a ética de trabalho, americana, e a ética do prazer, européia.
Estamos longe desse idílio. Em última análise, isso pode ser uma boa coisa. Socorrer o setor automotivo americano é algo que remete demais aos subsídios europeus. Será a GM a nova Alitalia? Os EUA ainda precisam de um pouco de Marte -se não, que motivos os europeus teriam para se queixar?

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