São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Dinheiro & negócios

Crise na Espanha arruína sonhos de imigrantes


O fim do boom na construção deixou muitos sem trabalho

Por VICTORIA BURNETT

MADRI - Quando Camelia Condurat viu que não conseguiria juntar uns trocados para comprar pão para as três filhas, achou um pouco de farinha e fermento no fundo do armário e fez o próprio pão. "Se você não tem nem 50 centavos para comprar pão, vai fazer o quê? Você se vira", disse ela.
Virar-se tem sido uma árdua tarefa diária para esta romena de 24 anos. Seu marido, Costel, veio para a Espanha em 2003, e há quatro anos ela o seguiu. Em outubro, ele perdeu o emprego de pedreiro, e pela primeira vez desde que chegou ao país ela teve de procurar trabalho. Agora, prepara comida e limpa um restaurante local, em jornadas de 12 horas, sete dias por semana, em troca de um salário de 700 euros mensais (cerca de R$ 2.300).
Metade do salário vai para o aluguel do pequeno apartamento de três quartos que a família divide com dois outros inquilinos. O que sobra não cobre as despesas da família, então Camelia passa o seu raro tempo livre em filas para receber ajuda do governo, da Cruz Vermelha e de uma igreja do bairro.
Costel, 39, um ex-policial na Romênia, ganhava cerca de mil euros por mês como pedreiro. Agora, fica em casa com as filhas.
"Está difícil demais", disse Camelia num espanhol fluente, olhando para as mãos calejadas, e com as filhas, de três, cinco e seis anos, subindo em seu colo. "Fico envergonhada de pedir ajuda. Mas tenho três meninas, então deixo meu orgulho em casa."
Em subúrbios proletários e com muitos imigrantes, como Coslada, nos arredores de Madri, histórias como essa se tornaram comuns na atual crise econômica.
A Espanha criou mais empregos e atraiu mais imigrantes do que qualquer outro país europeu na última década, em grande parte graças ao "boom" na construção civil. Com a retração econômica, o desemprego está crescendo em um ritmo alarmante -passou de 8% no final de 2007 para mais de 11% no terceiro trimestre, maior índice da União Européia.
Entre os imigrantes, estima-se que o desemprego seja de 17%. Há cerca de 5 milhões de estrangeiros registrados entre os 46 milhões de habitantes do país. Marroquinos, romenos e equatorianos formam os maiores contingentes.
Para o pintor e decorador colombiano René Bonilla, 33, a crise econômica esmagou uma vida construída ao longo de sete árduos anos. Em novembro de 2007, ele começou o processo de trazer da Colômbia sua esposa, Iuli, e sua filha, Arancha, 2. Ganhava 1.100 euros por mês e acreditava que poderia sustentá-las.
Mas quando Iuli e Arancha chegaram, em setembro, Bonilla já estava desempregado havia um mês. Havia gastado suas economias de 4.000 euros para trazê-las a Madri, e agora os três passam os dias confinados num quarto de um apartamento no violento subúrbio de Alcorcón. Sobrevivem com empréstimos do senhorio, um espanhol idoso.
"Agora, estou de volta aonde comecei", disse Bonilla, com os olhos inchados pela falta de sono. "Na verdade, estou pior. Estou sete anos mais velho, e agora somos três para alimentar."
As autoridades têm punido empresas que contratam trabalhadores ilegais, e os imigrantes dizem que policiais a paisana rondam nos trens de subúrbio, prendendo os sem-papéis. O presidente de governo José Rodríguez Zapatero diz apoiar a rígida Diretiva de Retorno da União Européia, que permite a detenção de imigrantes clandestinos por até 18 meses.
Em novembro, o governo iniciou um programa de retorno que paga uma bolada em seguro-desemprego a quem voltar para o seu país e abrir mão do direito de regressar à Espanha por um prazo de três anos.
"A Espanha viu um crescimento realmente forte nos últimos cinco anos, e não conseguiríamos isso com os nossos próprios cidadãos", disse o ministro do Trabalho, Celestino Corbacho, numa entrevista. "Mas agora estamos numa situação muito diferente."


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