São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Na recessão, até os requintados se contêm

Por NELSON D. SCHWARTZ

ROMA - Com um suspiro desolado, Francesco Trapani tira do pulso seu relógio Bulgari de aço e ouro branco, de US$ 10 mil, e mostra o lado interno, fosco, da pulseira. Antes a Bulgari o polia com esmero para acompanhar o exterior brilhante.
A mudança é sutil, mas resume a preocupação com os custos a que a primeira recessão nas vendas de bens de luxo em quase 20 anos forçou empresas como Bulgari, Burberry, Cartier, Montblanc e outros grandes estilistas, modificando seu tradicional enfoque para o glamour e o glitter.
O desafio é tão delicado quanto o polimento de uma das tradicionais jóias Bulgari. Neste caso, se Trapani, o principal executivo da companhia, cortar demais, correrá o risco de prejudicar a imagem da marca de opulência e exclusividade, cuidadosamente cultivada ao longo de décadas e reforçada por estrelas como Nicole Kidman, Charlize Theron e Scarlett Johansson, que usam Bulgari nas passarelas vermelhas de Cannes e do Oscar.
"Em vez de falar sobre estrelas e gastos, você pensa em cortar custos", disse Trapani. "O luxo não é imune."
Economizar não é algo natural para Trapani, 51. Ele é um velejador competente e sua mulher é princesa de Liechtenstein. Ganhou fama ao transformar a Bulgari de um punhado de butiques fundadas por seu bisavô em uma potência mundial do luxo. Mas com a queda de 44% nos lucros da companhia no último trimestre e sua ação subitamente enfraquecida, ele não tem escolha.
A partir dos anos 1990, as vendas de bens de luxo explodiram, juntamente com o crescimento da uma nova elite global, transformando marcas européias pouco conhecidas em gigantes e convertendo endereços chiques como a Quinta Avenida, a Bond Street e os Champs-Elysées em verdadeiros shopping centers ao ar livre para os abastados.
Poucas marcas simbolizaram melhor essa tendência que a Bulgari, que cresceu de apenas cinco lojas para 259 desde que Trapani assumiu a presidência, em 1984. A demanda por suas combinações ousadas de safiras, diamantes e esmeraldas parecia insaciável, enquanto as vendas estouravam em todo o mundo, aumentando a receita da empresa para mais de 1,1 bilhão de euros, ou R$ 3,6 bilhões.
Mesmo com o recente colapso de Wall Street, Trapani presidiu a inauguração cheia de estrelas da loja principal da Bulgari em Paris e a estréia de sua primeira butique própria no Oriente Médio, com lados separados para homens e mulheres, no Qatar.
Hoje a realidade bateu à porta da Bulgari e do resto do setor. As vendas da joalheria de 125 anos aumentaram anêmicos 2% no terceiro trimestre. Os analistas estão pessimistas quanto à recuperação neste quarto trimestre, período responsável por grande parte dos resultados anuais da companhia. E a demanda por produtos de luxo deverá cair de 3% a 7% no próximo ano, segundo um recente estudo da Bain & Company. Será a primeira vez que o setor registrará uma queda de vendas anuais desde que a Bain começou a acompanhálo, no início dos anos 1990.
Não há sinais de uma corrida natalina à butique Bulgari na Via Condotti, onde Richard Burton costumava comprar diamantes para Elizabeth Taylor e onde as peças únicas custam a partir de 70 mil euros, ou R$ 230 mil.
"Não é politicamente correto exibir- se nesse ambiente", disse Claudia D’Arpizio, sócia da Bain e especialista em produtos de luxo. "Mesmo que não estejam afetados em termos de poder aquisitivo, os consumidores acham que é ético gastar menos. Não querem mais uma jóia." Depois há os ligeiros ajustes "como a pulseira de relógio sem polimento" que podem economizar apenas alguns euros mas são representativos para uma empresa que vende milhares de relógios por ano, a maioria com preços de US$ 4 mil a US$ 32 mil. Ou lançar estojos e frascos de menor custo para a linha de perfumes Bulgari, que segundo Trapani os clientes nem vão notar.
"Queremos a melhor solução aos olhos e ao preço", disse Trapani. "O desafio é reduzir custos e despesas sem afetar negativamente a imagem ou a qualidade da marca." Obviamente a demanda pelos mais caros ornamentos não desapareceu totalmente. Durante uma visita recente, três artesãos estavam ocupados no acabamento de encomendas exclusivas, como abotoaduras com moedas gregas do século 5° a.C. e um par de brincos com uma cascata de diamantes e safiras.
"Não vamos mudar o jogo da vida, graças a Deus", disse Nicola Bulgari, 67, tio de Trapani e vice-presidente da companhia. "Usar jóias faz parte da alegria de viver, para o homem e seu ego. É um mundo de fantasia e loucura. Os homens sempre vão se apaixonar pelas mulheres e querer fazê-las felizes."


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