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Na recessão, até os requintados se contêm
Por NELSON D. SCHWARTZ
ROMA - Com um suspiro desolado,
Francesco Trapani tira do pulso seu relógio
Bulgari de aço e ouro branco, de US$ 10 mil,
e mostra o lado interno, fosco, da pulseira.
Antes a Bulgari o polia com esmero para
acompanhar o exterior brilhante.
A mudança é sutil, mas resume a preocupação
com os custos a que a primeira recessão
nas vendas de bens de luxo em quase 20
anos forçou empresas como Bulgari, Burberry,
Cartier, Montblanc e outros grandes
estilistas, modificando seu tradicional enfoque
para o glamour e o glitter.
O desafio é tão delicado quanto o polimento
de uma das tradicionais jóias Bulgari.
Neste caso, se Trapani, o principal
executivo da companhia, cortar demais,
correrá o risco de prejudicar a imagem da
marca de opulência e exclusividade, cuidadosamente
cultivada ao longo de décadas
e reforçada por estrelas como Nicole
Kidman, Charlize Theron e Scarlett Johansson,
que usam Bulgari nas passarelas
vermelhas de Cannes e do Oscar.
"Em vez de falar sobre estrelas e gastos,
você pensa em cortar custos", disse Trapani.
"O luxo não é imune."
Economizar não é algo natural para Trapani,
51. Ele é um velejador competente e
sua mulher é princesa de Liechtenstein.
Ganhou fama ao transformar a Bulgari
de um punhado de butiques fundadas por
seu bisavô em uma potência mundial do
luxo. Mas com a queda de 44% nos lucros
da companhia no último trimestre e sua
ação subitamente enfraquecida, ele não
tem escolha.
A partir dos anos 1990, as vendas de bens
de luxo explodiram, juntamente com o crescimento
da uma nova elite global, transformando
marcas européias pouco conhecidas
em gigantes e convertendo endereços chiques
como a Quinta Avenida, a Bond Street
e os Champs-Elysées em verdadeiros shopping
centers ao ar livre para os abastados.
Poucas marcas simbolizaram melhor
essa tendência que a Bulgari, que cresceu
de apenas cinco lojas para 259 desde que
Trapani assumiu a presidência, em 1984. A
demanda por suas combinações ousadas
de safiras, diamantes e esmeraldas parecia
insaciável, enquanto as vendas estouravam
em todo o mundo, aumentando a
receita da empresa para mais de 1,1 bilhão
de euros, ou R$ 3,6 bilhões.
Mesmo com o recente colapso de Wall
Street, Trapani presidiu a inauguração
cheia de estrelas da loja principal da Bulgari
em Paris e a estréia de sua primeira butique
própria no Oriente Médio, com lados separados
para homens e mulheres, no Qatar.
Hoje a realidade bateu à porta da Bulgari
e do resto do setor. As vendas da joalheria
de 125 anos aumentaram anêmicos 2%
no terceiro trimestre. Os analistas estão
pessimistas quanto à recuperação neste
quarto trimestre, período responsável
por grande parte dos resultados anuais
da companhia. E a demanda por produtos
de luxo deverá cair de 3% a 7% no próximo
ano, segundo um recente estudo da Bain &
Company. Será a primeira vez que o setor
registrará uma queda de vendas anuais
desde que a Bain começou a acompanhálo,
no início dos anos 1990.
Não há sinais de uma corrida natalina à
butique Bulgari na Via Condotti, onde Richard
Burton costumava comprar diamantes
para Elizabeth Taylor e onde
as peças únicas custam a partir de 70
mil euros, ou R$ 230 mil.
"Não é politicamente correto exibir-
se nesse ambiente", disse Claudia
D’Arpizio, sócia da Bain e especialista
em produtos de luxo. "Mesmo que não estejam
afetados em termos de poder aquisitivo,
os consumidores acham que é ético
gastar menos. Não querem mais uma jóia."
Depois há os ligeiros ajustes "como a
pulseira de relógio sem polimento" que podem
economizar apenas alguns euros mas
são representativos para uma empresa que
vende milhares de relógios por ano, a maioria
com preços de US$ 4 mil a US$ 32 mil. Ou
lançar estojos e frascos de menor custo para
a linha de perfumes Bulgari, que segundo
Trapani os clientes nem vão notar.
"Queremos a melhor solução aos olhos e
ao preço", disse Trapani. "O desafio é reduzir
custos e despesas sem afetar negativamente
a imagem ou a qualidade da marca."
Obviamente a demanda pelos mais caros
ornamentos não desapareceu totalmente.
Durante uma visita recente, três
artesãos estavam ocupados no acabamento
de encomendas exclusivas, como abotoaduras
com moedas gregas do século 5°
a.C. e um par de brincos com uma cascata
de diamantes e safiras.
"Não vamos mudar o jogo da vida, graças
a Deus", disse Nicola Bulgari, 67, tio de
Trapani e vice-presidente da companhia.
"Usar jóias faz parte da alegria de viver,
para o homem e seu ego. É um mundo de
fantasia e loucura. Os homens sempre
vão se apaixonar pelas mulheres e querer
fazê-las felizes."
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