São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

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INTELIGÊNCIA
GUDRUN HARRER


As confusões religiosas de Bento 16

Viena, Áustria

Com o recente ataque a uma sinagoga em Caracas, as críticas a Israel no mundo árabe e a mistura impalatável de negação da matança indiscriminada de judeus durante a Segunda Guerra Mundial e de ameaças ao Estado judeu pelo Irã, este seria um bom momento para o papa católico não só denunciar a natureza repugnante do antissemitismo, como fez várias vezes, mas também de demonstrá-lo com suas ações.
Mas não tem sido o caso com Bento 16.
"Sombras e desconfiança" obscurecem as relações entre o judaísmo e a Igreja Católica, como disse o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi. A última crise foi precipitada pela suspensão da excomunhão do bispo britânico Richard Williamson, que negou a existência das câmaras de gás nazistas. O papa rapidamente pediu que o bispo Williamson desmentisse suas declarações, mas o dano estava feito.
Depois da reabilitação de Williamson, muitos católicos renunciaram à fé, especialmente na Alemanha, terra natal de Bento 16. Membros do clero na Alemanha e na Áustria renegaram publicamente a decisão do Vaticano, apesar de não terem criticado diretamente o papa.
Williamson é um dos quatro que o arcebispo Marcel Lefebvre consagrou ilicitamente em 1988: ilicitamente porque Lefebvre e sua Sociedade São Pio 10? tinham sido suspensos pelo Vaticano por rejeitar as decisões do Concílio Vaticano 2? (1962-65) como progressistas demais. Eles foram excomungados pelo papa João Paulo 2?, mas Bento 16 reverteu essa decisão, citando a necessidade de solucionar esse cisma na igreja. A tolerância dos católicos ultraconservadores parece superar outras preocupações.
As relações entre Bento 16 e os judeus estão tensas desde que ele decidiu, dois anos atrás, permitir novamente a missa em latim. Essa concessão aos conservadores e reacionários foi considerada uma afronta por muitos judeus. Em uma antiga versão do rito, os católicos rezavam pela conversão dos "infiéis" judeus. Isso foi, mais tarde, modificado em uma oração pela "iluminação" dos judeus, mas não totalmente abolido. O sociólogo americano Daniel Jonah Goldhagen afirma que a doutrina católica foi em parte culpada pelo Holocausto.
O papa Bento 16 parece não ter o dom para promover as relações com outras religiões. Em 2006, quando ele citou um imperador bizantino do século 14 que condenou o islamismo, sem colocar essa opinião em perspectiva histórica, piorou as tensões com os muçulmanos. E prejudicou os esforços ecumênicos em 2007, quando sugeriu que as fés protestantes "não são verdadeiras igrejas".
Antes de se tornar papa, o cardeal Joseph Ratzinger ganhou a reputação de ser um conservador linha-dura. Alguns católicos viram suas piores expectativas serem superadas: os austríacos ficaram pasmos quando o papa Bento elevou a bispo um padre paroquial chamado Gerhard Maria Wagner, que um dia descreveu o furacão Katrina, que devastou o sul dos EUA em 2005, como a punição de Deus aos moradores de Nova Orleans por causa de seus bordéis e clínicas de aborto, ou advertiu as crianças para não lerem "Harry Potter" porque seriam expostas ao satanismo.
Padres católicos começaram a coletar assinaturas para uma petição ao Vaticano para revogar a nomeação do padre Wagner como bispo auxiliar de Linz. E algumas congregações protestantes austríacas relataram estar abarrotadas de pedidos de católicos que queriam se converter.
Em 15 de fevereiro, apenas duas semanas depois de sua nomeação, o próprio padre Wagner pediu ao Vaticano que o eximisse da tarefa. Pelo menos um oficial da igreja está pagando por seus comentários destemperados.


Gudrun Harrer é analista e editorialista do "Der Standard", em Viena, Áustria. Envie seu comentário para intelligence@nytimes.com


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