São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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Rasgões que expressam rebeldia

Por RUTH LA FERLA

À primeira vista, não há muito glamour em um casaco ou uma camiseta que pareçam ter sido passados num triturador de papéis. Mas, para Joie Reinstein, esse visual detonado, que ela descobriu há dois anos num desfile da Rodarte, representa a quintessência surrada do chique.
A coleção "apresentava essas roupas loucas, cheias de buracos", lembra ela. "Quando foi apresentada na passarela, parecia diferente de todo o resto."
Neste ano, Reinstein e seus colegas de um curso de história da moda na Parsons the New School for Design, de Nova York, revisitaram o tema, num trabalho que se propunha a identificar uma macrotendência com suficiente poder de permanência para moldar o futuro do design.
"Estávamos tentando perguntar como é esse novo horizonte", disse Geetanjali Rastogi, uma dos 25 alunos da classe. As conclusões foram exibidas em aula e postadas no site Fashiontheory.org.
Eles descobriram que jeans, leggings, camisas e até sapatos que aparentem ter passado pelas mãos de Freddy Krueger são os elementos de um fenômeno que, na verdade, tem um lado sombriamente subversivo. Rasgar, uma das várias tendências que o grupo explorou, pode ser uma forma de rebelião.
Porque, como disse a aluna Sarah Cassar, "sua mãe não gostaria que você vestisse essas roupas".
Apesar desse subtexto agressivo, o ato de retalhar as roupas, que remonta pelo menos à época de Henrique 8°, pode ser uma expressão de luxo e refinamento sutis.
Isso certamente atraiu Christophe Decarnin, cuja coleção de primavera na Balmain salientava uma sucessão de casacos rasgados, de modo a revelar não os brocados da época de Henrique, mas uma rica subcamada de trama dourada.
O trabalho acadêmico revelou que essa moda, que tende a surgir em períodos de turbulência social, apareceu pela primeira vez durante o movimento punk, na década de 1970, na forma de trajes esfarrapados, precariamente presos com alfinetes.
Hoje, os jeans rasgados, as camisas rotas e as meias desfiadas remetem a um clima social de desintegração, conforme notou Katie Fleming, outra aluna.
É uma tendência, disse ela, que transcende o mero vestir, tornando-se uma metáfora de tempos em mutação e "uma declaração de personalidade".
Rasgar, acrescentou sua colega Christine Kim, representa uma forma intencional de jogar fora o que há de usado dentro de cada um. "As pessoas estão perdendo seus empregos e abandonando velhos hábitos, [e por isso] se abrindo a áreas que ainda não exploraram."
Elas tentam, aquiesceu Fleming, "se distanciar, rasgando suas identidades e buscando novas".
Para muita gente, as roupas recortadas atestam a mesma atitude de desconforto que deu origem à música e à moda grunge na década de 1980 e começo da de 1990.
Numa era hoje marcada por "vazamentos petrolíferos e estranhas erupções vulcânicas", observou Reinstein, rasgar pode ter a ver com "assumir o controle do nosso mundo e remoldá-lo -mas nos nossos próprios termos".


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