São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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VIVER: LIVROS

China amplia gosto literário

Por DAN LEVIN
PEQUIM - "O Menino Persa", de Mary Renault, é cheio de cenas de pederastia e paixão homossexual e causa furor há quase 40 anos. Seria possível imaginar que um livro como esse jamais chegaria às livrarias da China, país cujos censores sufocam conteúdos delicados e onde retratos de sexualidade são proibidos. Mas quando o tradutor Zheng Yuantao, 30, topou com o romance, em 2005, decidiu esforçar-se para levá-lo aos leitores chineses. "Minha meta era traduzir uma história de amor gay positiva, para que os chineses a vissem como exemplo", explicou.
Em agosto passado, dois anos depois de Zheng primeiro ter procurado uma editora chinesa, a Horizon Media, ele festejou seu sucesso na festa de lançamento do livro.
O triunfo assinala uma mudança surpreendente na sociedade chinesa, na medida em que o desenvolvimento econômico do país vem levando a ele a liberalização e novas ideias. Enquanto cinema, rádio e televisão continuam sob domínio do governo, o setor de livros vem se tornando mais aberto.
Determinados temas continuam proibidos -é o caso do dalai lama, da independência de Taiwan e de temas excessivamente religiosos-, mas os livros de conselhos para empreendedores e de auto-ajuda estão levando editoras chinesas e suas contrapartes internacionais a lançar-se numa corrida para traduzir clássicos e best-sellers ao chinês.
De acordo com cifras oficiais, editoras chinesas compraram mais de 15.700 títulos estrangeiros em 2008.
Em 2005, menos de 10 mil títulos desse tipo tinham sido adquiridos.
A editora literária da Horizon, Wang Ling, cita o lançamento de "O Código Da Vinci", em 2003, como o momento de virada para a empresa. Dois milhões de exemplares já foram impressos na China. O livro foi seguido pelo sucesso de "O Caçador de Pipas", com 800 mil exemplares impressos. São números astronômicos para um país onde, segundo Wang, apenas "super best-sellers" chegam a meio milhão de exemplares.
A Horizon com frequência recorre a Li Jihong, que vive em Xangai e traduziu "O Caçador de Pipas".
Às vezes uma tradução autêntica desagrada o governo chinês. No caso de "O Caçador de Pipas", foram retiradas do livro referências à ingerência soviética no Afeganistão, já que se considerou que isso macularia a marca comunista. Li gostou tanto da série "Conversations With God" que comprou seus direitos para a China. O primeiro livrou passou um ano na lista dos cem mais vendidos da Amazon China. De acordo com ele, esses são livros "que despertam a consciência dos poderosos e consolam os que não têm poder".
A Big Apple, agência literária chinesa que representa editoras de todo o mundo, informou que fechou mais de 2.000 contratos em 2009 e que previa um aumento desse número em 2010.
Essa e outras agências também se esforçam para que a propriedade intelectual das editoras não caia em mãos erradas na China, que possui um histórico notório de ignorar as leis de direitos autorais. Mas, segundo Wendy King, vice-presidente da Big Apple, o ambiente legal na China vem melhorando. "Hoje, o respeito às leis de direitos autorais é a praxe."
Editoras ocidentais vêm abrindo escritórios em Pequim e Xangai. A HarperCollins diz que o número de seus contratos e as receitas dessas vendas mais que dobraram nos últimos três anos. Um dos títulos de maior sucesso foi "Pense Grande", de Donald Trump.
Para Wang, o fato de livros como "O Menino Persa" e "O Código Da Vinci" terem suscitado alguns receios por seus temas polêmicos mas terem sido publicados mesmo assim, e feito sucesso, revela um governo que está ficando mais à vontade com ideias estrangeiras.


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