São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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DIÁRIO DE BAGDÁ

Em um lugar chamado Cidade da Vitória, invasores vivem do lixo

Por JOHN LELAND
BAGDÁ - Hamad Tarish, 22, sai de casa toda madrugada por volta das 3h para catar lixo em um bairro do sul da cidade, antes da chegada dos caminhões de coleta.
Recentemente, ele jogou o que tinha coletado sobre uma balança diante de uma fileira de barracos improvisados de blocos. Cerca de 8 kg de latas de alumínio -US$ 6. Uma pilha de sucata de metal e mais outra de fios de arame, cada uma valendo US$ 2. No total, US$ 10 para comprar comida para ele mesmo, sua mulher e seus dois filhos.
"Um quilo de carne custa US$ 15", contou. "Não dá para comprar. Também não compro açúcar para adoçar o chá."
Enquanto a economia do Iraque estagna, Tarish subsiste em uma economia clandestina que sustenta bairros inteiros. Em volta dele estavam seus colegas, soldados rasos desse novo mercado: os catadores de lixo noturnos e os intermediários que compram a sucata recolhida. Em volta, pilhas de lixo separadas por tipo e sobrevoadas por moscas.
"As pessoas daqui estão vivendo do lixo", comentou o intermediário Ali Hasun, 27, fazendo um gesto em direção ao horizonte de moradias improvisadas -uma cidade que subsiste do lixo.
Hasun e Tarish vivem em uma favela enorme chamada Naser City, ou Cidade da Vitória, uma de dezenas de bairros de invasores que surgiram em torno de Bagdá desde a invasão americana de 2003. Naser City cresceu com as ondas de violência sectária que deslocaram pessoas, e, mais recentemente, devido ao desemprego. Os moradores acreditam que até 500 mil pessoas vivam aqui.
"Essa gente precisa catar o lixo porque não há oportunidades de emprego", comentou o governador, Salah Abdul-Razzaq.
Thijel Ebrah, 58, vivia em Amara, a leste de Bagdá, e mudou-se para Naser City em 2005. Ele não conseguira encontrar trabalho em Amara ou Bagdá.
Três de seus filhos vão à escola fora da favela, e dois deles sustentam a família catando lixo. A família queima lenha para cozinhar e aquecer a casa, porque o óleo é caro demais. Quando não há lenha, eles se embrulham em cobertores. "Sob Saddam convivíamos com a injustiça, mas agora é pior. O governo não faz nada."
Os catadores obedecem certos códigos de honra em seu trabalho. Existem acordos informais quanto ao território coberto por cada um, e o timing é tudo.
"Há dois turnos", explicou Karar Kareem, 16, que vive em uma área de invasão na periferia de Sadr City. "As pessoas colocam o lixo na rua tarde da noite e no começo da tarde." Mas, numa manhã recente, Haider Saad, 23, encontrou seu terreno de trabalho habitual depenado. "O caminhão de lixo passou por aqui à meia-noite, em vez de no começo da manhã."
O prefeito de Bagdá, Saber al Essawy, disse que pretende mudar o trabalho de coleta do lixo pelos caminhões para o meio da noite e está construindo duas unidades de reciclagem. "No futuro, essas pessoas vão ter que encontrar trabalho", disse. "Elas depõem contra nossa sociedade."
Para Saad, o desafio é sério. "Os caminhões de lixo são nosso inimigo número 1", disse.


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