São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INTELIGÊNCIA/Roger Cohen

Ecos da América Latina


Numa região em mutação, a velha retórica perdura

Rio de Janeiro, Brasil
Uma onda de insatisfação tem varrido a América Latina e alinhado as nações esquerdistas do continente em ira contra os EUA e seu mais próximo aliado na região, a Colômbia. Seria desnecessário dizer que o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, liderou a carga, falando sobre uma ameaçadora “força militar ianque”.
O catalisador é a ampliação da presença militar norte-americana na Colômbia, que hoje é de cerca de 250 soldados, a fim de intensificar os voos de vigilância contra o tráfico de drogas.
Não importa que siga em vigor um acordo já existente, que limita a presença de soldados norte-americanos na Colômbia a um máximo de 800. Não importa que Barack Obama tenha deixado claro que os EUA não estabelecerão bases próprias em solo colombiano.
Chávez, que recebeu belonaves russas para exercícios em águas venezuelanas, imediatamente partiu para seus habituais exageros retóricos. Uma invasão norte-americana era iminente, sugeriu, como em numerosas ocasiões no passado. (O jornal oposicionista venezuelano “Tal Cual” diz que Chávez mencionou conspirações norte-americanas para assassiná-lo em pelo menos 25 ocasiões.) O embaixador venezuelano em Bogotá foi retirado. Nicarágua, Equador e Bolívia, que se beneficiaram da generosidade petroleira venezuelana, não foram muito mais moderados em suas denúncias.
O ruído parecia familiar. Quando eu cobria a América do Sul, na metade dos anos 80, as feridas colaterais da Guerra Fria ainda eram recentes. O ditador chileno apoiado pelos EUA, Augusto Pinochet, ainda estava no poder. Seu férreo domínio era um lembrete do sangue derramado em nome do apoio norte-americano a militares brutais, contra a revolução esquerdista.
Um desses movimentos esquerdistas, o Sendero Luminoso, no Peru, continuava a promover destruição e selvageria sob lemas utópicos. Sociedades oscilavam, a inflação estava em disparada. A América Latina continuava sangrando, seu futuro promissor ainda irrealizado. A diferença, claro, é que a violência, então, era real, e não retórica. Nos 25 anos que nos separam daquela era, o avanço latino-americano para a democracia foi avassalador e a abertura das economias propiciou imensos, se bem que desiguais, benefícios.
Poucas regiões se beneficiaram tanto do final da Guerra Fria.
É fato que Chávez continua a usar aquilo que Obama chamou de “tradicional retórica anti-ianque”. E toda essa falação não consegue ocultar o fato de que Chávez continua a comerciar intensamente com EUA e Colômbia. Seu país depende das compras norte-americanas de petróleo e de bens agrícolas e industriais colombianos.
Mais importantes que todas essas bravatas foram as viagens que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, fez a sete países, para acalmar as preocupações; o fato de que o Brasil tenha desempenhado o papel de mediador que seu tamanho e posição central impõem; e que o governo Obama tenha rapidamente oferecido garantias e reconhecido que deveria ter conduzido consultas mais amplas quanto ao plano.
Na América Latina, o que fica aparente é mudança, e não continuidade, a despeito do retorno da retórica conhecida. Uma relativa estabilidade substituiu a volatilidade violenta. Os regimes militares foram desacreditados. O apoio dos EUA à democracia na região se tornou inequívoco. Até mesmo os velhos chavões anti-ianques perderam o brilho com Obama.
A pobreza persiste, claro. Chávez prosperou porque há lacunas sociais a suprir. Mas suas tentativas de transformar o socialismo financiado por petróleo que criou em seu país em movimento e ideologia mundiais contra os EUA estão soçobrando, como demonstra a pequena agitação recente. Pragmatismo, e não revolução, é o idioma da nova América Latina.


Envie comentários para intelligence@nytimes.com



Texto Anterior: TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Pequim aprende a pensar primeiro nos negócios

Próximo Texto: Na Índia rural, um adeus hesitante à pobreza
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.