São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Pequim aprende a pensar primeiro nos negócios


Antes excluída, a China agora se sente membro do clube

Por MICHAEL WINES

PEQUIM — Até o momento, a Organização Mundial de Comércio (OMC) rejeitou a posição chinesa em um importante caso relacionado a suas restrições à importação de livros e filmes. O governo chinês abandonou acusações explosivas de espionagem contra executivos de uma gigante da mineração estrangeira, a anglo-australiana Rio Tinto, após protestos no mundo empresarial. E Pequim anunciou recentemente que deixou de lado um plano que previa instalação de software de censura em todos os computadores novos vendidos no país.
Ao longo do seu duradouro boom econômico, a China em geral vem conseguindo manter separados seu agressivo avanço na arena mundial dos negócios e a política interna do país, que continua sob rígido controle do Partido Comunista. Mas acontecimentos recentes fazem desconfiar que não demorará muito para que surja uma colisão entre as duas coisas.
Em cada um dos casos mencionados acima, política e negócios se chocaram, e os negócios saíram vencedores. É difícil adivinhar os motivos. Mas, pelo menos em certas questões de destaque, a China parece estar encarando a realidade de que o mundo internacional dos negócios pode ser voluntarioso e desafiador quando seus lucros estão sob ameaça. E, assim, o sistema autoritário do país talvez tenha de evoluir de maneiras que seus líderes não aprovem.
Pequim agora tem influência mundial, como consequência de seu forte crescimento. E decisões que anteriormente eram tomadas com base em considerações puramente locais —como a censura a sites de internet, proteção aos interesses de empresas estatais e restrição do influxo de notícias à China— agora apresentam ramificações internacionais.
“O país está em meio a uma transição em seu papel mundial”, disse Kenneth Lieberthal, analista de assuntos chineses que agora trabalha na Brookings Institution, organização de pesquisa sediada em Washington. “No passado, eles sempre tentaram levar em consideração aquilo que seria melhor para a China —e continuam a fazê-lo. Mas, pela primeira vez, é preciso adicionar a isso a consideração de que, além de fazer regras, também precisam aceitá-las.”
“Os líderes da China estão apenas começando a lidar com isso”, acrescentou.
Recentemente, promotores públicos chineses parecem ter recuado da posição anunciada anteriormente de processar funcionários da Rio Tinto por espionagem e tentativa de roubo de segredos de Estado. Os executivos da Rio Tinto negam as acusações, e EUA e Austrália disseram que as ações chinesas poderiam ter repercussões diplomáticas e de negócios.
As ameaças referentes a acusações de espionagem despertaram inquietação entre as empresas estrangeiras que operam na China.
Mas determinar se esses casos representam tendências ou exceções —ou talvez nenhuma das duas coisas— continua a ser objeto de debate. Diversos especialistas dizem que os representantes da China parecem cada vez mais conscientes de que suas ações têm ramificações mais amplas do que poderia ter sido o caso alguns poucos anos atrás.
“Há 15 anos, só se ouvia na China que ‘somos vítimas de um sistema viciado em nosso desfavor’”, disse James Feinerman, especialista em leis e política chinesas na Universidade de Georgetown, em Washington.
A admissão da China ao sistema mundial de comércio, diz ele, está lentamente começando a alterar a visão do país sobre si mesmo. Em vez de se considerarem excluídos, os chineses agora se veem como membros do clube e interessados no sucesso do sistema mundial. Outros especialistas ressalvam, porém, que aquilo que os observadores externos interpretam como medidas políticas cuidadosamente calculadas pode, na verdade, ser coisa muito diferente.
A decisão do governo de instalar softwares de censura nos computadores —e posterior reversão— é apenas um exemplo, afirmam; a proposta original foi provavelmente impulsionada por um grupo de dentro do governo que terminou por se ver derrotado quando usuários de internet e empresas estrangeiras começaram a objetar ao plano.
“A China é suscetível à pressão externa? Claro que é”, disse Charles Freeman, estudioso de assuntos chineses no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. “A China tem interesses internacionais, que são afetados pelo que as autoridades fazem dentro do país”, disse. “Há uma constante batalha entre agências sobre quanto capital político deve ser investido em questões internacionais, diante dos interesses internos.”


Texto Anterior: Lente: A democracia e seus descontentes

Próximo Texto: Inteligência: Ecos da América Latina
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.