São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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Maior lago da África está ameaçado


Países disputam acesso à pesca no lago Vitória

Por JEFFREY GETTLEMAN

ILHA MIGINGO, lago Vitória — A ilhota de Migingo não parece grande coisa. É uma laje de pedra que não chega a ter meio hectare, repleta de casebres de metal enferrujado, lixo, pescadores de olhar perdido e prostitutas, essencialmente uma favela cercada pelo maior lago da África.
Mas a pequena Migingo está bem no meio de uma fronteira lacustre disputada por Quênia e Uganda, e há políticos que ameaçam até uma guerra por sua causa.
A razão? Peixes, muitos deles, mas talvez não o suficiente. A ilha está cercada por cardumes de saborosas —e exportáveis— percas-do-Nilo. Mas o lago Vitória, do qual 30 milhões de miseráveis africanos dependem para sobreviver, pode estar ficando sem esses peixes. Segundo um estudo recente, os estoques de percas-do-Nilo já diminuíram quase 70%, ameaçando um setor que movimenta centenas de milhões de dólares.
Pode haver uma questão ainda maior aqui: o próprio lago está recuando rapidamente. Suas águas baixaram mais de um metro nos últimos dez anos, e algas estão cobrindo a superfície do lago como uma espessa camada de tinta verde, sufocando os peixes.
É uma prova irrefutável, segundo ambientalistas, da mudança climática, da superpopulação, da poluição, do desmatamento e de outros males modernos chegando a uma parte da África despreparada para lidar com isso.
“Você tem um ecossistema que está totalmente desequilibrado agora”, disse Nick Nuttall, porta-voz do Programa Ambiental da ONU, que tem observado atentamente o lago Vitória. “Isso deveria ser uma preocupação extrema para qualquer um que se importe com o futuro de 30 milhões de pessoas. As pressões sobre este enorme patrimônio natural da África oriental estão aumentando.”
E também estão aumentando as disputas apaixonadas por Migingo. Num recente jogo de rúgbi entre Quênia e Uganda, a torcida queniana gritava: “Migingo, unida, jamais será vencida”. Em abril, quenianos chegaram a destruir a linha ferroviária que dá acesso a Uganda. Os pescadores de Migingo dizem que os policiais ugandenses que rondam a ilha têm distribuído agressões ultimamente —e, pior, roubado o produto da sua pesca.
Uma comissão bilateral de fronteira se debruça sobre empoeirados documentos coloniais para tentar descobrir se Migingo fica no Quênia ou em Uganda, mas o grupo tem sido afetado por problemas financeiros e sentimentos patrióticos rivais. A disputa esquentou neste ano, quando Uganda enviou soldados para ocupar a ilha. Para ira do Quênia, os ugandenses chegaram a fincar uma bandeira.
Até o nível do lago recuar, alguns anos atrás, Migingo mal passava de uma rocha despontando no meio da água, e ninguém parecia ligar. Hoje em dia, ainda é apenas uma elevação enevoada no horizonte, quando vista da costa, embora mais de 300 pessoas vivam ali, a maioria pescadores quenianos.
Mas Uganda afirma que Migingo fica em águas suas e que é ilegal que quenianos pesquem ali. O subtexto é que o peixe é essencial para a economia de Uganda, que não tem o desenvolvimento turístico e industrial do Quênia.
A moeda ugandense de 200 xelins tem o selo nacional de um lado e um peixe no outro. A cada ano, Uganda arrecada mais de US$ 100 milhões na exportação de percas-do-Nilo, embora o excesso de pesca e o descontrole ambiental estejam ameaçando isso. A maior parte das indústrias ugandenses ligadas à pesca se limita a 25% da capacidade por causa da falta de peixes, segundo a associação local do setor.
Mas uma coisa é clara, ao menos para os especialistas. “Migingo fica dentro das fronteiras do Quê-nia”, disse John Donaldson, pesquisador da Unidade Internacional de Pesquisa de Fronteiras, com sede no Reino Unido. Segundo ele, documentos de 1926 colocam claramente a ilha algumas centenas de metros para o lado queniano.
De acordo com Henry Aryamanya-Mugisha, diretor da agência ugandense de proteção ambiental, a superpopulação e a superexploração agrícola no lado queniano do lago estão dizimando as áreas de desova dos peixes. Ao mesmo tempo, o desmatamento tem reduzido a quantidade de chuvas que alimentam o lago, e o desenvolvimento recente na região está levando fertilizantes, poluentes industriais e esgoto para a água.
“É muitíssimo triste”, disse Aryamanya-Mugisha. “Está acontecendo rápido demais. Há cinco anos, havia muito peixe.”
Por isso Migingo é tão significativa. A água em torno da ilha é relativamente profunda e repleta de percas, e, uma vez lá, os pescadores não gastam muito combustível, porque basicamente jogam a linha e puxam o jantar. “Não há outro lugar assim”, disse o pescador Charles Okumu Chambu.


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