São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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A solitária luta dos iraquianos nos EUA

Por KIRK SEMPLE

Logo depois do início da Guerra do Iraque, em 2003, Uday Hattem al Ghanimi foi abordado por vários homens em frente a um quartel norte-americano onde cuidava de uma loja de conveniência. Eles o acusaram de ajudar os EUA, e um dos homens deu um tiro na sua cabeça.
Agora, após 24 cirurgias, Al Ghanimi tem um rosto reconstruído e um asilo político nos EUA. Em 4 de julho, sua mulher e seus três filhos mais novos o reencontraram em Nova York, depois de três anos de separação.
Mas a euforia da reunião logo se dissipou, conforme a família começou a perceber as realidades mais frias da sua nova vida.
Al Ghanimi, 50, incapaz de trabalhar por causa de dores crônicas, mantém sua família com uma pensão mensal por invalidez de US$ 761, vales alimentícios e ajudas de amigos. A família se amontoa em um cômodo alugado em Nova York, cidade em que a pequena comunidade iraquiana está espalhada. Sua mulher e seus filhos não falam inglês, agravando o isolamento.
“Eles dizem: ‘Vamos voltar’”, contou Al Ghanimi, melancolicamente. “Não é o que eles estavam pensando. Eu disse a eles: ‘Sejam pacientes’.”
Durante anos após a invasão norte-americana, milhares de iraquianos clamaram por serem admitidos nos EUA, mas encontraram as portas praticamente fechadas —até que o governo reagiu às críticas, em 2007, facilitando o acesso. Mas, agora que os iraquianos estão chegando aos montes, muitos descobrem que a vida nos EUA é bem mais difícil do que esperavam.
Um relatório divulgado em junho pelo Comitê Internacional de Resgate, organização de reassentamento de refugiados com sede em Nova York, disse que muitos imigrantes foram incapazes de arrumar empregos, estão esgotando os benefícios recebidos e mergulham na pobreza e na falta de um teto.
Muitos também precisam de ajuda para lidar com feridas físicas e emocionais da guerra. “Nunca vi uma população em que o trauma seja tão universal”, disse Robert Carey, vice-presidente da entidade para políticas de reassentamento e migração.
No Iraque, muitos trabalhavam como médicos, professores, cientistas e intérpretes —muitas vezes para os norte-americanos, o que lhes dava esperança de que seriam recompensados com uma vida confortável nos EUA. Mas a maioria descobriu que suas credenciais nem sempre valiam no mercado norte-americano, o que os obriga a aceitar empregos inferiores à sua capacitação.
Nour al Khal, 35, que chegou a Nova York em 2007, tem auxiliado várias famílias iraquianas. Um dos ajustes mais difíceis, disse ela, é aceitar a possibilidade de só encontrar empregos piores que no Iraque.
Al Khal foi baleada em 2005 em Basra, quando trabalhava como intérprete para um jornalista. No Iraque, era administradora de uma empresa norte-americana de desenvolvimento; em Nova York, o melhor emprego que ela conseguiu inicialmente foi como recepcionista em uma imobiliária. Agora, é tradutora.
Al Ghanimi é profundamente grato pela assistência médica e a moradia gratuitas que recebeu enquanto seu rosto era reparado e os pedidos de asilo da sua família eram processados. Mas disse que se sente esmagado pelas tarefas ainda a realizar —como encontrar um novo apartamento, obter tratamento para problemas físicos e emocionais da mulher e matricular seus filhos, de 11, 17 e 21 anos, em escolas.
Ele tenta convencer a família de que a vida melhorou. “Eu disse a eles que tudo aqui é bonito”, afirmou. “Eletricidade 24 horas, não como no Iraque. O clima é ótimo, não como no Iraque. Há muitas coisas que não dá para conseguir no Iraque. E eles dizem: ‘É, mas você não as consegue’.”


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